Matéria: Direito Penal | Assunto: Noções Introdutórias e Princípios | Banca: MPE-GO | Ano: 2019 | Órgão: MPE-GO | Cargo: Promotor de Justiça Substituto
Analise as proposições seguintes e assinale a alternativa correta:
I - Jesús-María Silva Sánchez fala em Direito Penal de “duas velocidades”. Segundo o referido autor, há um a primeira velocidade, representada pelo Direito Penal “da prisão” , na qual haver-se-iam de manter rigidamente os princípios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princípios processuais. A segunda velocidade, por sua vez, estaria relacionada aos casos em que, por não se tratar de prisão, mas de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar um a flexibilização proporcional a menor intensidade da sanção.
II - Na medida em que o Direito Penal nazista era entendido como um instrumento de luta contra os infiéis à com unidade do povo e que a violação de um dever era o conteúdo material do crime, era lógico que o centro de gravidade para o exercício do poder punitivo tinha de passar a ser a “vontade contrária ao Direito” , e não mais o “ resultado proibido” . Nesse contexto foi concebido o “Direito Penal da vontade” , construção teórica marcante do Direito Penal nazista, sendo Roland Freisler um de seus principais expoentes. Essa concepção baseada na vontade permitiu a expansão do poder punitivo a níveis que um a dogmática atrelada a resultados de dano a bens jurídicos não admitia, já que ensejou uma profusa criminalização dos perigos abstratos. Além do mais, tal concepção também defendia que a tentativa tivesse a mesma pena do crime consumado.
III - Para Günther Jakobs a função do Direito Penal é tutelar a vigência da norma. Quando o infrator comete um crime ele rompe com as expectativas normativas. A pena, assim, tem como função restabelecer a vigência da norma e demonstrar para a sociedade que ela pode seguir confiando no sistema normativo (estabilização das expectativas normativas).
IV - Winfried Hassemer, da chamada “Escola Penal de Frankfurt”, observa que o Direito Penal Moderno, procurando minimizar a insegurança oriunda de uma sociedade de riscos, tem se tornado um instrumento em busca do controle dos grandes problemas da sociedade atual, como a proteção ao meio ambiente, da saúde pública, da ordem econômica, dentre outros. Assim, com o intuito de frear essa tendência de expansão do Direito Penal e com o objetivo de permitir a atuação do Direito Penal em relação aos tipos penais tradicionais, consubstanciados pelo núcleo básico de bens jurídicos individuais, propõe um “Direito de Intervenção” , situado entre o Direito Penal e o Direito Administrativo, que teria por finalidade controlar e inibir os riscos oriundos das novas tecnologias e do desenvolvimento econômico contemporâneo, por meio da proibição de condutas perigosas e da proteção de bens jurídicos coletivos. Esse “Direito de Intervenção”, segundo Hassemer, poderia contar com garantias e formalidades mais flexíveis e menos exigentes, mas também seria provido com sanções menos intensas contra o indivíduo.
Resposta correta: A
A questão requer conhecimento sobre as disputas dogmáticas acerca da função do Direito Penal.
Afirmativa I está correta. As duas primeiras velocidades do Direito Penal são de autoria de Jesús-María S. Sánchez. A primeira velocidade tem como características a aplicação de penas privativas de liberdade (direito penal da "prisão"), procedimento mais lento, salvaguardando o núcleo básico do direito e observando todas as garantias penais e processuais (procedimento garantista). Já a segunda velocidade, tem como características a aplicação de penas restritivas de direitos/penas alternativas (sanções menos agressivas ao direito de liberdade) e, em contrapartida, há a relativização das garantias penais e processuais, acarretando a flexibilização do procedimento.
Afirmativa II está certa. Roland Freisler foi um jurista alemão à época da ditadura nazista e presidia o Tribunal Popular. O jurista foi responsável por milhares de sentenças de morte. O tribunal do povo construiu sua pauta de decisão com base em princípio que exigia do intérprete uma total lealdade às orientações do partido e do líder, e não de um Direito composto por regras gerais e abstratas. A pauta de decisão não era a lei escrita; era a aplicação da vontade do Chefe na aplicação das leis com as quais se contava. Ocorre a subversão do positivismo jurídico, para um Direito Penal da vontade, sendo este caracterizado pela certeza da imposição do Direito com base no pensamento jurídico da comunidade do povo, isto é, a norma não seria a fonte do direito, abrindo-se mão da taxatividade e da proibição de analogia in malam partem. Assim, a analogia, o costume e a consciência popular seriam as fontes do Direito Penal alemão.
Afirmativa III está certa. Pilares do funcionalismo radical (monista ou sistêmico) de Gunther Jakobs: a) Elevado valor a norma jurídica. Norma jurídica como fator de proteção social; b) Aplicação do direito penal de maneira rígida e incisiva, como forma de proteção ao próprio ordenamento jurídico, a fim de garantir a efetividade das normas; c) Função preventiva geral da pena (por meio da punição eficaz daquele que viola a norma); d) O direito penal é autônomo, autorreferente (busca estabilidade/segurança jurídica) e autopoiético (capacidade de produzir a si próprio).; e) O indivíduo que descumpre sua função na sociedade deve ser eficazmente punido (direito penal do inimigo)
Afirmativa IV está certa. O Direito Intervencionista ou de Intervenção, tem como expoente Winfried Hassemer. O poder punitivo Estatal deve limitar-se ao núcleo do direito penal, já os problemas resultantes de risco da modernidade devem ser resolvidos pelo direito de intervenção. Ademais, o direito penal deve cuidar apenas de lesões de bens jurídicos individuais e de perigo de lesões concretas a bens jurídicos. Há um verdadeiro discurso da resistência à tutela penal de bens jurídicos difusos e coletivo. Dotado de garantias menos amplas das que regem o direito penal clássico, com a consequente imposição de sanções menos drásticas. Se situaria na vizinhança do direito administrativo. Não se destina a ampliar a intervenção punitiva do Estado, mas a diminuí-la.