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1. CONSTITUCIONALISMO MODERNO (CLÁSSICO OU LIBERAL)

O Constitucionalismo Moderno, também conhecido como Clássico ou Liberal, marca um período de profundas transformações que se inicia com as revoluções liberais no final do século XVI e se estende até a era pós-Segunda Guerra Mundial (meados do século XX).

A principal característica desta fase, segundo Marcelo Novelino, é a predominância de constituições escritas. Elas surgem como os instrumentos centrais para conter o arbítrio do poder e garantir direitos. Vários documentos importantes pavimentaram esse caminho, estabelecendo limites ao poder e consagrando direitos fundamentais:

  • Petition of Rights (1628)
  • Habeas Corpus Act (1679)
  • Bill of Rights (1689)
  • Act of Settlement (1701)
  • Carta da Colônia Americana da Virgínia (1776)

A Carta da Colônia Americana da Virgínia, em particular, é frequentemente destacada. Ela é considerada por muitos a primeira declaração de direitos moderna a conferir às suas normas uma eficácia jurídico-positiva elevada, inserindo garantias de liberdades individuais em um documento que limitava a própria atuação do Poder Legislativo.

1.1. MARCOS HISTÓRICOS

No entanto, como aponta Pedro Lenza, os dois marcos históricos e formais que definem o constitucionalismo moderno liberal são a Constituição norte-americana de 1787 e a Constituição francesa de 1791. Esta última teve como preâmbulo a célebre Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

Esses movimentos foram deflagrados durante o Iluminismo e se consolidaram como uma oposição direta ao absolutismo reinante. A principal mudança de paradigma foi a eleição do povo como o titular legítimo do poder, e os documentos resultantes ficaram conhecidos como Constituições Liberais.

Portanto, a transição da Monarquia Absolutista para o Estado Liberal, especialmente na Europa do final do século XVIII, que impôs limitações formais ao poder político da época, é um marco definidor do constitucionalismo moderno.


1.2. CONSTITUIÇÕES LIBERAIS

As Constituições Liberais, que emergiram do constitucionalismo moderno, representam um ponto de virada. Elas marcam o surgimento das primeiras constituições escritas, rígidas (que exigem um processo de alteração mais difícil que o das leis comuns), dotadas de supremacia e orientadas por princípios teóricos e científicos da época, como aponta Marcelo Novelino.

Os direitos consagrados nesses textos são os civis e políticos, conhecidos como a primeira geração (ou dimensão) dos direitos fundamentais, intrinsecamente ligada ao valor da liberdade. As duas experiências fundadoras desse movimento foram a norte-americana e a francesa.

1.2.1. EXPERIÊNCIA NORTE-AMERICANA

A Constituição dos EUA de 1787 foi pioneira em diversos aspectos que definem o constitucionalismo moderno:

  • Primeira Constituição Escrita e Rígida: Foi o primeiro documento formal a estabelecer essa característica.
  • Supremacia Constitucional: A ideia de que a Constituição é a lei suprema do país.
  • Controle de Constitucionalidade: Criou as bases para o controle difuso de constitucionalidade (judicial review), onde qualquer juiz pode verificar a compatibilidade de uma lei com a Constituição. Isso foi solidificado no caso Marbury vs. Madison (1803), em sentença proferida pelo Juiz Marshall.
  • Estrutura de Poder: Instituiu o sistema Presidencialista, consolidou a forma federativa de Estado, adotou a forma republicana de governo e o regime democrático.
  • Separação de Poderes: Estabeleceu uma nítida separação de poderes, com um fortalecimento inédito do Poder Judiciário.

1.2.2. EXPERIÊNCIA FRANCESA

A Revolução Francesa (1789) e a subsequente Constituição de 1791 seguiram um caminho ligeiramente diferente, com foco na soberania popular representada pelo legislador:

  • Limitação do Rei: Embora tenha mantido inicialmente uma monarquia constitucional, seu objetivo central era a limitação drástica dos poderes do Rei.
  • Supremacia do Legislativo: Diferente dos EUA, o sistema francês foi fundado na supremacia do Poder Legislativo. Ao Executivo cabia, primariamente, aplicar as leis criadas pelo parlamento.
  • Poder Constituinte: Foi o berço da distinção teórica entre Poder Constituinte Originário (que cria a Constituição) e Derivado (que a reforma), popularizada pelo Abade Emmanuel Joseph Sieyes em seu panfleto "O que é o Terceiro Estado?".

A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que serviu de preâmbulo, sintetizou o espírito do constitucionalismo moderno em seu Artigo 16:

Art. 16. “Toda sociedade na qual não é assegurada a garantia dos direitos, nem determinada a separação dos poderes, não possui Constituição.”

1.2.3. ESTADO LIBERAL

Ambas as revoluções, apesar de suas diferenças, deram origem ao Estado Liberal, cujas características centrais eram:

  • Abstencionista (Estado Mínimo): O Estado não deveria intervir na esfera de liberdade do indivíduo (especialmente na economia). Suas funções limitavam-se à defesa da ordem, segurança pública e administração da justiça.
  • Direitos em Sentido Formal: Os direitos fundamentais consagrados (vida, liberdade, igualdade, propriedade) correspondiam, em grande parte, aos interesses da burguesia e eram assegurados apenas no aspecto formal, sem preocupação com sua efetivação material para todas as classes.
  • Limitação do Soberano e Império da Lei (Rule of Law): O poder, inclusive o do soberano, estava submetido às normas jurídicas. A administração pública passa a ser uma atividade exercida estritamente dentro dos limites da lei (Princípio da Legalidade).

1.3. CONSTITUIÇÕES SOCIAIS

(Pós primeira guerra mundial)

O modelo liberal, focado na abstenção estatal, mostrou-se incapaz de responder às graves demandas sociais que marcaram o século XIX e se intensificaram com a Primeira Guerra Mundial. Essa impotência do Estado Liberal levou ao surgimento do constitucionalismo social.

Esta nova fase é definida pela inclusão dos direitos fundamentais de 2ª geração (ou dimensão), que englobam os direitos sociais, econômicos e culturais. Diferente dos direitos de 1ª geração (liberdades), estes são "direitos prestacionais", ou seja, exigem uma postura ativa do Estado para sua concretização.

Segundo Marcelo Novelino, o objetivo era superar o antagonismo entre a igualdade política (formal) e a desigualdade social (material), dando origem à noção de Estado Social.

1.3.1. MARCOS HISTÓRICOS

Dois textos constitucionais são os marcos fundadores do constitucionalismo social:

  1. Constituição Mexicana de 1917: Foi a primeira Constituição na história a incluir expressamente os direitos trabalhistas em seu rol de direitos fundamentais.
  2. Constituição de Weimar de 1919 (Alemanha): Embora a Constituição Mexicana tenha sido pioneira, foi a de Weimar que consolidou estruturalmente a democracia social. Com um texto inovador e equilibrado, exerceu forte influência no Ocidente. Na parte referente aos "direitos e deveres fundamentais dos alemães", consagrou direitos econômicos e sociais ligados ao trabalho, educação e seguridade social.

Paralelamente, foi nesse período que surgiu o controle de constitucionalidade concentrado em um tribunal constitucional específico, uma concepção de Hans Kelsen que foi incorporada à Constituição austríaca de 1920 (dando origem ao sistema austríaco ou europeu).

1.3.1. ESTADO SOCIAL

(Welfare State)

Essas experiências deram origem ao Estado Social (ou Welfare State), cujas características centrais são:

  • Intervencionismo: O Estado abandona a postura abstencionista e passa a intervir ativamente nos âmbitos social, econômico e laboral.
  • Estado Dirigente: O Estado assume um papel decisivo na regulação, produção e distribuição de bens e serviços.
  • Garantia do Mínimo Existencial: O objetivo central passa a ser a garantia de um padrão mínimo de bem-estar social para os cidadãos.

No Brasil, o marco do Constitucionalismo Social é a Constituição de 1934. Segundo Flávio Martins, ela foi a "primeira Constituição brasileira a prever expressamente o direito ao trabalho, dentre outros direitos sociais".


PRATICANDO NA PROVA

Matéria: Direito Constitucional | Assunto: Teoria da Constituição | Subassunto: Constitucionalismo | Banca: MPE-SP | Ano: 2017 | Órgão: MPE-SP | Cargo: Promotor de Justiça Substituto


A primeira Carta de Declaração de Direitos moderna, assim definida por conferir a suas normas eficácia jurídico-positiva mais elevada, inserindo as garantias das liberdades individuais em documento constitucional que delimitava a própria atuação reformadora do Poder Legislativo, foi a

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Matéria: Direito Constitucional | Assunto: Teoria da Constituição | Subassunto: Constitucionalismo | Banca: VUNESP | Ano: 2019 | Órgão: TJ-AC | Cargo: Juiz de Direito Substituto


Assinale a alternativa correta a respeito do constitucionalismo:

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Matéria: Direito Constitucional | Assunto: Teoria da Constituição | Subassunto: Constitucionalismo | Banca: VUNESP | Ano: 2018 | Órgão: TJ-MT | Cargo: Juiz de Direito Substituto


Assinale a alternativa correta a respeito da Constituição e do Constitucionalismo:

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Matéria: Direito Constitucional | Assunto: Teoria da Constituição | Subassunto: Constitucionalismo | Banca: VUNESP | Ano: 2015 | Órgão: TJ-SP | Cargo: Juiz de Direito Substituto


O “constitucionalismo moderno”, com o modelo de Constituições normativas, tem sua base histórica:

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GUIA DE ESTUDOS

1. Qual é a principal característica do Constitucionalismo Moderno (ou Clássico) e qual a sua finalidade central, segundo Marcelo Novelino?

A principal característica do Constitucionalismo Moderno é a predominância de constituições escritas. Elas surgiram como os instrumentos centrais para conter o arbítrio do poder estatal e para garantir os direitos fundamentais dos indivíduos.

2. Quais são os dois marcos históricos e formais que, de acordo com Pedro Lenza, definem o constitucionalismo moderno liberal?

Os dois marcos históricos e formais do constitucionalismo moderno liberal são a Constituição norte-americana de 1787 e a Constituição francesa de 1791. Esta última teve como preâmbulo a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

3. Descreva a importância da Carta da Colônia Americana da Virgínia (1776) no desenvolvimento do constitucionalismo.

A Carta da Virgínia é considerada a primeira declaração de direitos moderna a conferir eficácia jurídico-positiva elevada às suas normas. Ela foi pioneira ao inserir garantias de liberdades individuais em um documento que limitava a própria atuação do Poder Legislativo.

4. Quais foram as três principais inovações institucionais introduzidas pela Constituição dos EUA de 1787, além da forma de Estado e governo?

A Constituição dos EUA de 1787 foi a primeira constituição escrita e rígida, estabeleceu a supremacia constitucional e criou as bases para o controle de constitucionalidade (judicial review), com um inédito fortalecimento do Poder Judiciário.

5. Qual foi o foco principal da experiência constitucional francesa em relação à estrutura de poder, e como ela se diferencia da experiência norte-americana nesse aspecto?

O foco da experiência francesa foi a supremacia do Poder Legislativo, que representava a soberania popular, com o objetivo de limitar drasticamente os poderes do Rei. Isso difere da experiência norte-americana, que fortaleceu o Poder Judiciário e estabeleceu um sistema de freios e contrapesos mais equilibrado entre os poderes.

6. Explique o conceito de "Estado Liberal" e suas funções limitadas.

O Estado Liberal é caracterizado por ser abstencionista (Estado Mínimo), não intervindo na esfera de liberdade do indivíduo, especialmente na economia. Suas funções se limitavam à defesa da ordem, segurança pública e administração da justiça.

7. O que motivou a transição do Constitucionalismo Liberal para o Constitucionalismo Social?

A transição foi motivada pela incapacidade do modelo liberal, focado na abstenção estatal, de responder às graves demandas sociais que surgiram no século XIX e se intensificaram com a Primeira Guerra Mundial.

8. Defina o que são os direitos de 2ª geração e como eles se diferenciam dos direitos de 1ª geração.

Os direitos de 2ª geração (sociais, econômicos e culturais) são "direitos prestacionais", que exigem uma postura ativa do Estado para sua concretização. Eles se diferenciam dos direitos de 1ª geração (civis e políticos), que são ligados à liberdade e exigiam uma abstenção do Estado.

9. Quais foram as duas constituições pioneiras do Constitucionalismo Social e qual a principal contribuição de cada uma?

As constituições pioneiras foram a Constituição Mexicana de 1917, primeira a incluir direitos trabalhistas, e a Constituição de Weimar de 1919 (Alemanha), que consolidou estruturalmente a democracia social ao consagrar direitos ligados ao trabalho, educação e seguridade social.

10. Caracterize o "Estado Social" (Welfare State), destacando seu principal objetivo.

O Estado Social é intervencionista, assumindo um papel decisivo na regulação e distribuição de bens e serviços. Seu objetivo central é abandonar a postura abstencionista para garantir um padrão mínimo de bem-estar social para os cidadãos, conhecido como mínimo existencial.


DISSERTAÇÃO

(Caso haja dúvida, pergunte ao Professor IA para lhe ajudar)

  1. Discorra sobre a transição da Monarquia Absolutista para o Estado Liberal, analisando como as constituições norte-americana (1787) e francesa (1791) materializaram os ideais do Constitucionalismo Moderno e quais foram suas principais diferenças de abordagem.
  2. Analise a evolução do conceito de direitos fundamentais, comparando os direitos de 1ª geração, característicos do Estado Liberal, com os direitos de 2ª geração, que definem o Estado Social.
  3. Explique o conceito de supremacia constitucional e sua relação com o desenvolvimento do controle de constitucionalidade. Detalhe como a experiência norte-americana (caso Marbury vs. Madison) e a concepção de Hans Kelsen contribuíram para a consolidação dos sistemas difuso e concentrado, respectivamente.
  4. Descreva as principais características do Estado Liberal (Estado Mínimo) e do Estado Social (Welfare State), destacando a mudança de paradigma no papel do Estado em relação à sociedade e à economia.
  5. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) afirma em seu Artigo 16 que uma sociedade sem garantia de direitos e separação de poderes "não possui Constituição". Relacione essa afirmação com os princípios fundamentais do Constitucionalismo Clássico e explique como as experiências dos EUA e da França buscaram concretizar esse ideal.
Avatar de diego
em 24/10/2025
Matéria: Direito Constitucional
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