1. Introdução: Uma Fé à Prova na Galileia
A jornada de Jesus, conforme narrada pelo apóstolo João, nos leva de um encontro transformador em Samaria para um cenário de expectativa e prova na Galileia. Após permanecer dois dias com os samaritanos, que creram Nele pela força de Sua palavra, Jesus retoma seu caminho para sua terra de criação. É neste contexto, em João 4:43-54, que somos apresentados a uma cura que, embora milagrosa, serve como um espelho para a natureza da fé humana. O palco é montado em Caná, a mesma cidade do primeiro sinal, onde a água se tornou vinho.
A narrativa se intensifica com a chegada de uma figura de autoridade, um oficial do rei, movido não por curiosidade, mas por desespero. Seu filho, em Cafarnaum, estava à beira da morte. Ao saber da presença de Jesus, ele empreende uma jornada para suplicar pela vida de seu filho. O pedido é direto e urgente, um clamor de um pai que vê sua última esperança naquele profeta de Nazaré. Contudo, a resposta de Jesus é, à primeira vista, enigmática e desafiadora, transcendendo o pedido individual e dirigindo-se a toda uma mentalidade.
"Se vocês não virem sinais e prodígios, de modo nenhum crerão." (João 4:48)
Esta declaração não é uma negação de ajuda, mas um diagnóstico profundo sobre uma fé condicionada ao espetacular. Diante da insistência do oficial – "Senhor, venha antes que meu filho morra" –, Jesus não realiza um ato visível. Ele oferece apenas Sua palavra: "Vá, o seu filho vai viver". O oficial, então, se depara com uma escolha crucial: exigir uma prova tangível ou confiar na autoridade daquela promessa. Ele escolhe crer e parte. A confirmação do milagre viria depois, no caminho de volta, ao encontrar seus servos que lhe anunciam a recuperação do menino na exata hora em que Jesus havia proferido a palavra de cura.
Este segundo sinal na Galileia, portanto, vai muito além de uma simples cura. Ele estabelece o tema central que ecoa por todo o Evangelho de João e nos confronta diretamente: qual é o verdadeiro alicerce da nossa fé? Ela se sustenta na constante necessidade de ver milagres e sinais, ou está firmemente ancorada em quem Cristo é, independentemente das circunstâncias visíveis? Este encontro nos convida a examinar o fundamento sobre o qual construímos nossa crença e a questionar se buscamos o Deus dos milagres ou apenas os milagres de Deus.
2. O Padrão da Crença Condicionada: A Necessidade de Ver para Crer
Quando Jesus chega à Galileia, a recepção é festiva, mas o evangelista João, com sua precisão característica, faz questão de registrar a motivação por trás dessa alegria. Os galileus o receberam bem "porque viram todas as coisas que Jesus tinha feito em Jerusalém por ocasião da festa" (João 4:45). A celebração não era primariamente por quem Ele era, mas pelo que Ele fazia. Esta observação sutil de João desvenda um padrão recorrente, uma espécie de crença condicionada que permeia os primeiros capítulos de seu Evangelho: a fé que brota do espetacular.
Esse padrão de uma fé despertada por milagres não é um evento isolado, mas uma linha que conecta diversas narrativas. Lembremos dos próprios discípulos. Após Jesus transformar a água em vinho em Caná, o texto conclui:
"Esse foi o primeiro sinal que Jesus fez... e por causa deste sinal, os seus discípulos creram nele." (João 2:11)
A fé do círculo mais íntimo de Jesus foi, em seu início, catalisada por uma demonstração de poder sobrenatural. O caso de Natanael é igualmente emblemático. Inicialmente cético e preconceituoso – "Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?" –, sua incredulidade se dissolve não por um argumento teológico, mas por uma revelação pessoal e inexplicável:
"Rapaz, eu te vi embaixo da figueira".
A percepção de que Jesus possuía um conhecimento sobre-humano o levou a declarar:
"Mestre, tu és o Filho de Deus!" (João 1:46-50).
Novamente, o sinal precedeu a confissão. O mesmo ocorreu com a multidão em Jerusalém durante a Páscoa, onde muitos creram em seu nome "por conta dos sinais que Jesus havia feito" (João 2:23).
O que torna essa dependência de sinais tão intrigante é o público em questão: o "povo da promessa". Os judeus da Galileia e da Judeia, os discípulos como Natanael, eram herdeiros de uma vasta tapeçaria de revelação divina. Eles possuíam a Lei de Moisés, a história dos reis, a sabedoria dos Salmos e, crucialmente, as profecias de Isaías, Miqueias e tantos outros que descreviam em detalhes a vinda do Messias. Tinham em mãos a promessa de que da descendência da mulher nasceria aquele que esmagaria a cabeça da serpente. Conheciam as escrituras que falavam de um salvador nascido de uma virgem, que remiria seu povo. E, no entanto, mesmo com todo esse arcabouço profético e teológico, a fé de muitos permanecia adormecida, aguardando o estímulo de um milagre para despertar. Possuíam o mapa, mas ainda assim exigiam uma placa luminosa para crer que haviam chegado ao destino. A narrativa joanina, até este ponto, constrói um quadro claro: para aqueles que deveriam ser os primeiros a reconhecer o Messias, a crença parecia ser uma consequência direta do espetacular, uma fé que precisava ver para crer.
3. O Contraste Samaritano: A Fé Genuína que Nasce da PalavraPublicidade
Se João, o evangelista, tivesse omitido a passagem por Samaria, poderíamos facilmente construir uma teologia onde a fé é um subproduto inevitável dos sinais. Contudo, sua genialidade narrativa reside precisamente em posicionar, entre os relatos de uma fé que precisa de estímulos visuais, a história de um povo que creu sem ver milagre algum. No coração da narrativa, encontramos a mulher samaritana e sua cidade – um povo considerado impuro, "gentalha", uma mistura de raças e religiões aos olhos dos judeus. É exatamente neste solo improvável que brota a fé mais pura e surpreendente.
O que desperta a crença em Samaria não é uma cura espetacular, um exorcismo ou a multiplicação de pães. Jesus não realiza nenhum sinal grandioso ali. A única manifestação sobrenatural é um "peteleco" de conhecimento divino, uma revelação íntima e pessoal: "Eu sei que você não tem marido". Não houve fogo descendo do céu, nem paralíticos andando. Apenas uma conversa sincera à beira de um poço foi suficiente para que a mulher reconhecesse estar diante do Messias. Em seguida, movida por essa convicção, ela se torna uma evangelista para sua cidade.
O mais notável é o que acontece depois. Os homens de Samaria vêm a Jesus, atraídos pelo testemunho da mulher, e o convidam a ficar. Durante dois dias, eles não presenciam milagres, eles apenas O ouvem. E, ao final, declaram:
"E diziam à mulher: 'Já não é pelo que você disse que nós cremos, mas porque nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo'." (João 4:42)
A fé dos samaritanos não dependeu de evidências externas; ela nasceu e se consolidou na suficiência da Palavra. O Espírito de Deus os convenceu unicamente através do que ouviram. Esta fé se revela, portanto, mais nobre e robusta do que a dos herdeiros da promessa, que, mesmo cercados por profecias, ainda necessitavam de sinais para crer. O contraste é deliberado e desconcertante, forçando-nos a uma autoavaliação incômoda.
Isso nos leva à pergunta fundamental: por que você crê? A nossa fé se assemelha à dos galileus, que se inflama com a vitória e se apaga com a dificuldade? É uma fé "capenga", que manca e vacila, declarando que "Deus me abandonou" quando o carro quebra, mas se vangloria da "bênção" quando ganha um sorteio? Quando dizemos que cremos em Deus, estamos realmente crendo Nele ou apenas naquilo que Ele pode nos dar? A fé para ter um emprego é diferente da fé no Deus que nos sustenta com ou sem aquele emprego. A fé samaritana nos ensina que é possível crer não por causa dos resultados esperados ou dos sinais vistos, mas simplesmente porque reconhecemos Nele, em Sua palavra e em Sua presença, a verdade final: Ele é o Salvador do mundo.
4. Redefinindo a Espiritualidade: O Sagrado na Vida Comum
A busca incessante por sinais muitas vezes se origina de um profundo equívoco sobre a natureza da vida espiritual. Em nossa cultura religiosa, criamos uma falsa dicotomia, colocando o "espiritual" em oposição ao "material", como se a presença de Deus se restringisse a momentos de êxtase místico e se ausentasse das realidades concretas do dia a dia. No entanto, o Evangelho nos apresenta uma verdade radicalmente diferente. O oposto de espiritual não é material; o oposto de espiritual é carnal.
A palavra grega para espiritual, pneumatikos, deriva de pneuma, que significa "sopro" ou "vento". Ser espiritual é ser movido, impulsionado pelo sopro do Espírito de Deus. Em contrapartida, ser "carnal" é ser movido pelos impulsos da natureza caída, pela iniquidade e pelo egoísmo. A grande falha de uma fé que depende de sinais é que ela nos treina a buscar o pneumatikos apenas em eventos extraordinários, enquanto ignora sua manifestação mais poderosa: a transformação do nosso caráter e de nossas ações na vida comum.
Questionamos a presença de Deus em um culto onde "nada acontece", mas raramente questionamos a ausência de espiritualidade em nossas interações diárias. Consideramos mais espiritual fazer uma campanha de 40 dias de jejum para abençoar um pai doente do que visitá-lo, abraçá-lo e cuidar de suas necessidades práticas. Achamos que dar a mão para orar por um estranho na igreja é um ato de profunda espiritualidade, mas ignoramos que o gesto de dar "bom dia" e perguntar seu nome quando ele se senta ao nosso lado pode ser o verdadeiro milagre que ele precisava. Essa fuga para uma espiritualidade performática, que se expressa em jargões e transes, mas falha em se materializar em bondade, ética e amor, é uma hipocrisia que afasta as pessoas do Reino.
A verdadeira espiritualidade é encarnacional. O dia em que você se preocupa em matricular seu filho na melhor escola possível é um ato tão espiritual quanto o dia em que você ora por ele. O momento em que você planeja um gesto de carinho para alegrar sua esposa tem o mesmo valor sagrado que a oração que você fez para encontrá-la. A vida comum, com suas responsabilidades, gentilezas e decisões éticas, é o principal palco onde o Reino de Deus se manifesta. O apóstolo Paulo entendeu isso perfeitamente. Ao pregar para os filósofos em Atenas, ele não citou Moisés ou Isaías. Ele citou os poetas e pensadores gregos:
"Como disseram alguns dos poetas de vocês: 'Nele vivemos, nos movemos e existimos'." (Atos 17:28)
Paulo encontrou Deus na cultura "material" e "secular" daquelas pessoas para lhes revelar a verdade. A fé madura não precisa de pirotecnia divina constante, pois aprendeu a ver a assinatura de Deus em toda a criação e a expressar o amor de Deus em cada ação. A vida simples, justa, honesta e amorosa não é menos espiritual; ela é a prova mais autêntica de que fomos, de fato, tocados pelo Deus que se fez carne e habitou entre nós.
Conclusão Reflexiva
No fim, talvez o maior milagre que o Evangelho nos propõe não seja a cura de uma febre à distância, mas a cura da nossa própria miopia espiritual. É a transição de uma fé que precisa dos relâmpagos dos sinais para crer, para uma fé que encontra seu sustento na constância do caráter de Deus; uma fé que não ama a Deus pelo que Suas mãos fazem, mas que O adora por quem Ele é, mesmo quando Suas mãos, em silêncio, apenas nos sustentam no caminho.
A Casa da Rocha. #16 - A Fé e os Sinais - Zé Bruno - Quem é Jesus?. Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=C95uRSe5hNk. Acesso em: 28/08/2025.