1. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA DECISÃO DE MÉRITO
Art. 4. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. [PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO]
Art. 6. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Previsto nos arts. 4 e 6, dentre outros comandos legais ao longo do CPC, por este princípio, a decisão que não examine o mérito é extremamente excepcional. Tal princípio pode ser resumido na ideia de que, sempre que possível, o juiz deve empreender esforços para dar uma decisão de mérito, ao invés de extinguir o processo sem resolução de mérito por questões meramente processuais.
O CPC prevê diversos mecanismos à disposição do magistrado para evitar que o processo chegue ao final sem uma decisão de mérito, sendo tão ostensivo nesse ponto que a doutrina entendeu que se trata de um princípio estruturante do processo civil.
Esse princípio está pautado na cooperação e na boa-fé. É, em verdade, um dos pilares do processo cooperativo.
3.4.2. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA
Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. Prevista no art. 5o do CPC, a boa-fé é elevada à qualidade de norma-princípio destinada a informar o comportamento de todos os sujeitos processuais, sem exceção (juiz, servidor, perito, etc.). Inspirado diretamente na legislação civil (art. 422, CC), o princípio em questão é geral, abstrato e adaptável no tempo e no espaço. Nesse prisma, importante distinguir a boa-fé objetiva e subjetiva:
- BOA FÉ SUBJETIVA: é a intenção (interna), um estado psicológico, firme crença (inclusive por desconhecimento de situação fática) de estar agindo corretamente.
- BOA FÉ OBJETIVA: Trata-se de um dever de comportamento imposto às partes, independentemente de seu estado anímico (subjetivo), o qual manifesta-se por meio dos chamados deveres laterais, anexos ou de proteção, podendo-se citar como exemplos os deveres de lealdade, probidade, retidão, ética, informação, dentre outros.
🚨JÁ CAIU No concurso para Promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina (Ano: 2023; CEBRASPE) foi considerada 14 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Princípio da fundamentação (art. 11) e validade da fundamentação per relationem. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/73e0f7487b8e5297182c5a711d20bf26. Acesso em: 22/12/2023
17 correta a seguinte assertiva: Em respeito aos princípios da boa-fé e da confiança, informação errada referente à indicação do término do prazo recursal em sistema eletrônico de tribunal configura justa causa, prevista no Código de Processo Civil, apta a afastar intempestividade de recurso.
Reforça-se que todos os sujeitos processuais devem agir com boa-fé objetiva, inclusive os magistrados e serventuários da justiça.
INSTITUTOS DERIVADOS DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
A teoria dos atos próprios impede que os sujeitos processuais comportem-se de modo distinto em situações idênticas a situações anteriores e em relação às quais os demais participantes do processo, legitimamente, nutriam expectativas. Note que não se trata de qualquer expectativa, mas de uma expectativa legítima. Exemplo da jurisprudência é o não reconhecimento da nulidade de algibeira (= nulidade de bolso) pelo STJ. Na nulidade de algibeira, a parte deixa de alegar a nulidade durante todo o processo, trazendo a questão para o debate apenas quando o juiz prolata uma decisão que não lhe é favorável (apenas no momento que melhor lhe convier). Por fim, ressalta-se que, conforme o STJ, a regra que veda o comportamento contraditório se aplica até mesmo aos sujeitos imparciais (magistrados). (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1.394.902/MA).
SUPRESSIO (VERWIRKUNG)
Se a parte não exercitar determinada faculdade em determinado período, perde as vantagens decorrentes do exercício dessa faculdade - o sancionamento da violação do dever de boa-fé é o não reconhecimento da consequência processual decorrente do resultado pretendido pela parte. A chamada “nulidade de algibeira (ou de bolso) se configura quando a parte, embora tenha o direito de alegar nulidade mantém-se inerte durante longo período, deixando para realizar a alegação no momento que melhor lhe convier, não é admitida, por violar a boa-fé processual. Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão. Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão provando a parte legítimo impedimento.
SURRECTIO
Surgimento de um direito em razão da supressão causada pelo comportamento da parte contrária. Note-se que surrectio e supressio são dois lados da mesma moeda . 15
DUTY TO MITIGATE THE LOSS
A parte se coloca em uma situação na qual o seu prejuízo aumenta
18 deliberadamente. Exemplo: sujeito processual espera 15 meses para falar que o Estado não forneceu medicamento, deixando que a medida coercitiva de multa diária aumente muito.
TU QUOQUE
Como decorrência do princípio da boa-fé processual objetiva não pode a parte criar dolosamente situações que viciem o processo para, depois, alegar nulidade, tirando proveito da situação. Assim, veda-se o comportamento não esperado, adotado em situação de abuso. Art. 276. Quando a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa. Aquele que despreza a norma não pode dela se aproveitar 7 .
A eventual nulidade declarada pelo juiz de ato processual praticado pelo serventuário não pode retroagir para prejudicar os atos praticados de boa-fé pelas partes. Dessa forma, no processo, exige-se dos magistrados e dos serventuários da Justiça conduta pautada por lealdade e boa-fé, sendo vedados os comportamentos contraditórios. Em outras palavras, aplica-se também o venire contra factum proprium para atos do juiz e dos serventuários da justiça. STJ. 4a Turma. AgRg no AREsp 91311-DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 6/12/2012 (Info 511). 16
O princípio da boa-fé objetiva é aplicado ao direito processual civil. Se o processo estava suspenso, não era possível que fosse praticado nenhum ato processual, ressalvados os urgentes a fim de evitar dano irreparável. Desse modo, ao homologar a convenção pela suspensão do processo, o Poder Judiciário criou nas partes a legítima expectativa de que o processo só voltaria a tramitar após o prazo convencionado. Não se pode admitir que, durante o prazo de suspensão deferido pelo juiz, seja publicada a sentença (ato processual) e, o pior, que a partir de então comece a correr o prazo para recurso contra a decisão. Ao agir dessa forma, o Estado-juiz incidiu na vedação de venire contra factum proprium considerando que praticou ato contraditório, incompatível com a suspensão. STJ. 2a Turma. REsp 1306463-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 4/9/2012 (Info 503). 17
3.4.3. PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO Previsto no art. 6o, CPC, o princípio da cooperação postula que as partes devem agir no processo de maneira construtiva e buscando alcançar um resultado justo e efetivo, devendo, para tanto, agir com lealdade, proteção e esclarecimento e aplicando-se a todos os sujeitos processuais:
Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
17 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Juiz deve respeitar o princípio da boa-fé objetiva. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/fc4ddc15f9f4b4b06ef7844d6bb53abf. Acesso em: 22/12/2023 16 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Aplica-se o venire contra factum proprium para atos praticados pelos serventuários. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/944626adf9e3b76a3919b50dc0b080a4. Acesso em: 22/12/2023
19 Enunciado 6-FPPC: O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação. Enunciado 619-FPPC (arts.6o, 138, 982, II, 983, §1o): O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação.
Por fim, quanto à cooperação do juiz com as partes, tem-se que esta materializa-se, segundo a doutrina portuguesa, na observação dos seguintes deveres (PECA): ■ DEVER DE PREVENÇÃO: O juiz tem o dever de advertir as partes de que o comportamento delas pode ser considerado como afronta a dignidade da justiça; ■ DEVER DE ESCLARECIMENTO: O juiz deve chamar a parte a dar explicações todas as vezes em que houver dúvidas que possam impedir o julgamento adequado do processo. Trata-se do chamado interrogatório judicial, que difere do depoimento pessoal enquanto meio de prova; ■ DEVER DE CONSULTA: O juiz não decidirá nada sem a oitiva prévia das partes – é a ideia de contraditório como influência; ■ DEVER DE AUXÍLIO: O juiz tem que colaborar com as partes para derrubar os obstáculos que impedem o julgamento do mérito (ex.: Art. 139, IX – saneamento do processo, Art. 321 – dever de falar o que deve ser emendado).
🚨 JÁ CAIU Na prova para Promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina (CESPE - 2021) na modalidade certo/errado, foi apresentada a assertiva que segue: “O princípio da cooperação pressupõe a colaboração entre os sujeitos do processo, o que gera necessariamente um dever de esclarecimento pelo juiz.” A afirmativa foi assinalada como CORRETA. Na prova para Defensor Público do Estado de Minas Gerais (FUNDEP - 2019) foi considerada CORRETA a alternativa que disse: “No modelo cooperativo de processo, a gestão do procedimento de elaboração da decisão judicial é difusa, já que o provimento é o resultado da manifestação de vários núcleos de participação, ao mesmo tempo em que todos os sujeitos processuais cooperam com a condução do processo.” Na prova para Magistratura do Estado de Santa Catarina (CESPE - 2019) foi considerada CORRETA a alternativa que disse: “O paradigma cooperativo adotado pelo novo CPC traz como decorrência os deveres de esclarecimento, de prevenção e de assistência ou auxílio.”
3.4.4. PRINCÍPIO DA DEMANDA/INÉRCIA/DISPOSITIVO E IMPULSO OFICIAL Previstos no art. 2o, CPC, postulam, como regra geral, que o juiz não pode iniciar o processo sem pedido, isto é, de ofício (demanda/inércia). Todavia, havendo pedido, o processo se desenvolve, em regra, por impulso oficial, sem necessidade de iniciativa da parte (impulso oficial). Ademais, o juiz está adstrito ao pedido formulado pelas partes (dispositivo), não podendo ir além (ultra petita), nem fora (extra petita) e nem deixar de apreciar o pedido (citra/infra petita).
20 Art. 2o O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. [PRINCÍPIO DA INÉRCIA DA JURISDIÇÃO + PRINCÍPIO DO IMPULSO OFICIAL].
3.4.5. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA SOLUÇÃO CONSENSUAL
Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. [PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO]
Previsto no art. 3o e parágrafos do CPC, relaciona-se ao sistema multiportas de solução de conflitos, estimulando a solução do conflito por métodos alternativos. Assim, a Jurisdição será utilizada apenas quando for realmente necessária.
🚨 JÁ CAIU Na prova para Promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina (Instituto Consuplan - 2019) na modalidade certo/errado, foi considerada correta a seguinte assertiva: O Código de Processo Civil adota o modelo multiportas, de modo que cada demanda deve ser submetida à técnica ou método mais adequado para a sua solução e devem ser adotados todos os esforços para que as partes cheguem a uma solução consensual do conflito. Em regra, apenas se não for possível a solução consensual, o processo seguirá para a segunda fase, litigiosa, voltada para instrução e julgamento adjudicatório do caso.
3.4.6. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS Encontrado em variados dispositivos do CPC (arts. 188, 277 e 283, 1.029, § 3o), o princípio em pauta visa reduzir o apego ao formalismo, determinado que se a produção de um ato violou a forma legal, mas essa violação não foi suficiente para afastá-lo de sua finalidade, deverá ele gerar seus efeitos, não padecendo de nulidade.
Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. [PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS]. Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade. Art. 283. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais. Art. 1.029. § 3o O STF ou o STJ poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.
🚨 JÁ CAIU Na prova para Magistratura do Estado de Minas Gerais (Consuplan - 2018) foi considerada correta a seguinte assertiva: Foi indeferida prova pericial requerida pelo autor. Acolhida a pretensão inicial, o autor apelou somente para alegar cerceamento de defesa porque entende ser absolutamente necessária a prova indeferida.
21 Ao julgar a apelação, o Tribunal negará provimento aplicando o princípio da instrumentalidade das formas.
3.4.7. PRINCÍPIOS DA EFETIVIDADE, PROPORCIONALIDADE E DIGNIDADE
Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Previstos no art. 8o, CPC, o qual prevê que ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. 3.4.8. DEVER DE UNIFORMIZAÇÃO E PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS Trata-se de uma norma fundamental deslocada, pois não consta do Livro I da parte geral, mas está prevista nos arts. 926 e 928, CPC. Aduz que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, incentivando o sistema de resolução de demandas repetitivas:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la ESTÁVEL, ÍNTEGRA e COERENTE. § 1° Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2° Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação. Art. 928. Para os fins deste Código, CONSIDERA-SE JULGAMENTO DE CASOS REPETITIVOS a decisão proferida em: I - incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR); II - recursos especial e extraordinário repetitivos. Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.
3.4.9. PRINCÍPIO DA EFETIVAÇÃO (PROCESSO DE RESULTADOS)
Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. [PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO].
O princípio da efetivação é um subprincípio da duração razoável do processo, amparado pelo art. 4o do CPC. Por meio dele, amplia-se o dever-poder do juiz de potencializar a efetividade da atividade executiva, o que inclui a possibilidade de uso das medidas executivas atípicas. A aplicação de tais medidas, porém, não ignora a necessidade de uma aplicação que seja limitada pelo postulado normativo da proporcionalidade, bem como do respeito às garantias constitucionais. São exemplos de medidas até agora aplicadas pelos Tribunais: suspensão de CNH; cancelamento de cartão de crédito do devedor e apreensão do passaporte.
22 São constitucionais — desde que respeitados os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os valores especificados no próprio ordenamento processual, em especial os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade — as medidas atípicas previstas no CPC/2015 destinadas a assegurar a efetivação dos julgados. STF. Plenário. ADI 5941/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 9/02/2023 (Info 1082).