1. MOVIMENTOS DO DIREITO PENAL
1.1. ABOLICIONISMO PENAL
(A Ruptura com a Política Criminal).
O Abolicionismo Penal é uma corrente teórica que propõe uma mudança radical na forma como a sociedade lida com o crime. Sua premissa central é a defesa da abolição completa tanto do Direito Penal quanto do sistema de aprisionamento.
Este movimento representa uma ruptura total com a política criminal tradicional. Em vez de focar na punição através da reclusão, o abolicionismo defende que o indivíduo que cometeu um delito deve ser recuperado por meios alternativos. A ênfase recai sobre a aplicação de sanções substitutivas, buscando soluções que não envolvam a privação de liberdade.
Apesar de sua proposta transformadora, o Abolicionismo Penal é frequentemente alvo de críticas pela doutrina majoritária. O principal argumento contrário é a percepção de que essa corrente, embora critique o sistema vigente, não apresenta soluções concretas e viáveis para substituir integralmente o aparato penal e carcerário na gestão dos conflitos sociais e da criminalidade.
1.2. GARANTISMO PENAL
(A Defesa do Direito Penal Mínimo).
O Garantismo Penal é uma corrente que estabelece limites estritos ao poder punitivo do Estado, defendendo que o Direito Penal deve estar rigorosamente subordinado aos direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição.
Esta visão promove a ideia de "Direito Penal Mínimo". Isso significa que a intervenção penal só deve ocorrer em último caso (como ultima ratio), quando outros ramos do Direito não forem suficientes para solucionar o conflito, e apenas para proteger os bens jurídicos mais importantes.
O maior expoente desta teoria é o jurista italiano Luigi Ferrajoli. Ele estabeleceu os fundamentos do garantismo através de princípios mínimos, também chamados de axiomas ou implicações deônticas, que funcionam como pilares para assegurar um processo penal justo e limitar a arbitrariedade estatal na aplicação da lei penal.
1.3. LEI E ORDEM
(O Foco na Restauração e o Direito Penal Máximo).
Em oposição direta ao Garantismo, o movimento de Lei e Ordem defende o Direito Penal Máximo. Sob esta perspectiva, o Direito Penal é visto como prima ratio, ou seja, a primeira e principal resposta do Estado ao delito, e não o último recurso (ultima ratio).
A premissa é que a lei penal deve ser atuante e efetiva, independentemente da gravidade da conduta praticada. A finalidade principal do Direito Penal, segundo esta corrente, desloca-se da proteção de bens jurídicos para a restauração da ordem social.
Esta abordagem foi inspirada na política criminal de "tolerância zero", que ganhou notoriedade ao ser instaurada na cidade de Nova Iorque durante os anos 90.
1.3.1. TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS
(Broken Windows Theory)
A Teoria das Janelas Quebradas (ou Partidas) serve como principal pilar ideológico para o movimento de Lei e Ordem. Ela apregoa que os pequenos delitos, se não forem prontamente reprimidos e punidos, conduzirão necessariamente ao cometimento de infrações penais mais graves. A premissa é que a tolerância com pequenas desordens sinaliza um descaso estatal.
Os criadores deste teorema, James Q. Wilson e George Kelling, utilizaram uma metáfora para ilustrar a ideia:
Uma janela quebrada de um edifício, se não for consertada rapidamente, estimulará um comportamento de maior destruição por parte de delinquentes, que, fundamentados na crença do descaso, quebrarão tantas outras janelas desse edifício. Em resumo: a desordem gera mais desordem.
Essa teoria foi desenvolvida a partir de um experimento social conduzido em 1969 pelo professor Phillip Zimbardo, da Universidade de Stanford.
No experimento, dois veículos idênticos foram abandonados em locais distintos:
- Bronx (Nova Iorque): Em uma região considerada pobre, o veículo começou a ser deteriorado em poucas horas (pneus, motor e outros componentes foram subtraídos).
- Palo Alto (Califórnia): Em uma cidade rica, o veículo permaneceu intacto mesmo após uma semana.
Para continuar o estudo, os pesquisadores quebraram propositalmente uma das janelas do carro em Palo Alto. A partir desse ato, o resultado se igualou ao do Bronx: a violência e o vandalismo tomaram conta, e o veículo foi rapidamente destruído.
A conclusão do experimento foi que um vidro partido transmitiu uma ideia de deterioração, despreocupação e descaso, rompendo com os códigos de convivência locais. O ato inicial de vandalismo, mesmo em uma região rica, desencadeou o processo de desordem. Portanto, a teoria sugere que o problema não estava ligado à pobreza, mas sim à psicologia humana e às relações sociais frente aos sinais de abandono.
1.4. ANÁLISE ECONÔMICA DO CRIME
(O Cálculo Custo-Benefício)
A Análise Econômica do Crime é uma corrente que surgiu em 1968, a partir do artigo "Crime e punição: uma abordagem econômica", do economista e ganhador do Nobel, Gary Becker.
Este movimento aplica a lógica econômica ao Direito Penal, lecionando que a decisão pela prática de um crime não é um ato irracional, mas sim o resultado de um juízo racional de custo-benefício feito pelo indivíduo.
O criminoso, segundo essa visão, avalia os potenciais ganhos do delito (benefício) contra os riscos da punição (custo), como a probabilidade de ser pego e a severidade da pena. Dessa forma, o objetivo principal desta corrente é criar instrumentos econométricos e políticos que atuem na dissuasão (ou deterrence), ou seja, em tornar o "custo" do crime alto o suficiente para desencorajar sua prática.
1.5. COMPLIANCE CRIMINAL
(A Prevenção no Setor Privado)
O Compliance Criminal (ou Conformidade Criminal) é um reflexo da política criminal atual, que tem transferido parte da responsabilidade de prevenção e controle para o setor privado.
Nessa abordagem, o Estado "credita ao meio privado mecanismos aptos a evitar, detectar, apurar e remediar a prática de ilícitos de que o particular toma conhecimento". Essencialmente, espera-se que as próprias corporações criem programas internos de integridade para garantir o cumprimento das leis.
Embora o compliance esteja intrinsecamente ligado à prevenção da criminalidade econômica (como corrupção, lavagem de dinheiro e fraudes corporativas), seus efeitos podem ser mais amplos. Observa-se que a implementação desses mecanismos de controle interno pode, ainda que contingentemente, produzir efeitos inibitórios a outros tipos de desvios de conduta, levando ao seu uso expansivo para a prevenção de outros crimes.
1.6. WHISTKEBLOWER
(O Informante do Bem)
O conceito de whistleblower, também conhecido como "informante do bem" ou "informante confidencial", foi formalmente introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n. 13.608/18.
A principal característica do whistleblower é sua posição singular: ele é um indivíduo que tem conhecimento do ato criminoso porque mantém (ou manteve) um vínculo com a entidade (empresa ou órgão público) que está praticando o ilícito.
Trata-se de um mecanismo de incentivo à denúncia interna. Em regra, a política de whistleblowing (denúncia) estabelece formas de proteção ao denunciante e, frequentemente, prevê uma recompensa financeira ao informante pela informação prestada, caso ela resulte na apuração e recuperação de valores para o poder público.
2. CATEGORIAS DO DIREITO PENAL
Ao classificar o Direito Penal, uma das distinções fundamentais é feita entre suas vertentes substantiva (ou material) e adjetiva.
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Direito Penal Substantivo (ou Material): Esta categoria é sinônimo de Direito Penal Objetivo. Refere-se ao conjunto de normas, tanto princípios quanto regras, que se ocupam especificamente da definição das infrações penais (crimes e contravenções) e da imposição de suas respectivas consequências jurídicas (penas ou medidas de segurança). Em suma, corresponde ao Direito Penal material, que define o que é crime e qual é a pena.
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Direito Penal Adjetivo: Esta terminologia correspondia historicamente ao Direito Processual Penal, que trata do processo e dos procedimentos necessários para aplicar a lei substantiva. Atualmente, o termo "Direito Penal Adjetivo" é considerado ultrapassado, pois o Direito Processual Penal se consolidou como um ramo autônomo do Direito, com seus próprios princípios e regras.
2.1. PODER PUNITIVO DO ESTADO
Esta é outra classificação crucial, que distingue a norma posta (lei) do poder de criar e aplicar essa norma (Estado).
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Direito Penal Objetivo: Refere-se ao conjunto de leis penais em vigor no país. Ele traduz o jus poenale (o direito de punir) em regras concretas. Exemplos incluem o Código Penal (CP), a Lei de Drogas e a Lei de Organização Criminosa.
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Direito Penal Subjetivo: Corresponde ao direito de punir do próprio Estado (jus puniendi). É a capacidade que o Estado detém de criar, aplicar e executar as normas penais. Este direito se divide em duas vertentes:
- Direito Penal Subjetivo Positivo: É a capacidade de criar e executar as normas penais, o que cumpre ao Estado.
- Direito Penal Subjetivo Negativo: É o poder de derrogar normas penais ou restringir seu alcance, exercendo um controle sobre o poder punitivo. Um exemplo claro é o controle judicial das normas, como o controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
2.2. FOCO DA PUNIÇÃO
A Criminologia e o Direito Penal debatem intensamente qual deve ser o foco da sanção penal: o ato cometido ou o agente que o cometeu. Isso gera duas visões antagônicas:
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Direito Penal do Fato: Esta é a vertente adotada pela maioria dos sistemas penais modernos, incluindo o brasileiro. O foco está exclusivamente no ato praticado. O Direito Penal é voltado ao fato, punindo o agente pelo que ele fez, e não pela sua personalidade, seu modo de vida ou seu caráter.
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Direito Penal do Autor: Esta visão, amplamente criticada e associada a regimes totalitários, é voltada ao autor do crime. A punição se baseia em um juízo de periculosidade, onde se pune a pessoa pelo que ela é, e não necessariamente pelo que ela fez. A sanção visa corrigir a "personalidade" do agente, e não retribuir o ato ilícito.
2.3. RESPOSTAS PENAIS CONFLITANTES
Existem vertentes do Direito Penal que surgem em resposta a demandas sociais ou políticas, muitas vezes se distanciando dos princípios penais tradicionais. Duas delas são o Direito Penal de Emergência e o Promocional.
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Direito Penal de Emergência: Surge para atender às demandas de criminalização geradas por eventos específicos que causam grande comoção social (ex: o sequestro de Abílio Diniz, que impulsionou a Lei dos Crimes Hediondos). Nesses casos, o Estado cria normas de repressão ignorando garantias do cidadão, com a finalidade principal de devolver o sentimento de tranquilidade à sociedade, muitas vezes sob pressão da mídia.
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Direito Penal Promocional (ou Político/Demagogo): Nesta abordagem, o Estado utiliza o Direito Penal para transformação social, visando a consecução dos seus objetivos políticos. Para isso, emprega leis penais desconsiderando o princípio da intervenção mínima. Um exemplo histórico citado é a criação (hoje revogada) da contravenção penal de mendicância, que usava o aparato penal para "acabar com os mendigos" ao invés de implementar políticas públicas sociais eficazes.
2.4. ABRANGÊNCIA DA LEI
A legislação penal também pode ser classificada de acordo com o órgão jurisdicional responsável por sua aplicação e o escopo das leis.
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Direito Penal Comum: É aquele aplicado pela Justiça Comum (Federal ou Estadual). Ele é fundamentado no Código Penal e nas diversas Leis Penais Especiais, como a Lei de Drogas, o Estatuto do Desarmamento, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), entre outras. É a regra geral do sistema punitivo.
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Direito Penal Especial: Possui aplicação pela Justiça Especial, sendo o exemplo mais proeminente o do Direito Penal Militar. Esta vertente é incumbida à Justiça Militar e aplica sua própria legislação, como o Código Penal Militar.
2.5. DIREITO PENAL SIMBÓLICO
O Direito Penal Simbólico é aquele norteado por uma finalidade meramente aparente, sem a produção de resultados efetivos na contenção da criminalidade. Sua principal função é conferir uma sensação de proteção à ordem pública e aos membros da coletividade.
Segundo ensina Cleber Masson, essa função simbólica se manifesta comumente no Direito Penal do Terror, que se verifica com a inflação legislativa (aumento excessivo de leis) ou o Direito Penal de Emergência. Esse processo se caracteriza pela criação exagerada de figuras penais desnecessárias ou pelo aumento desproporcional e injustificado das penas para casos pontuais (hipertrofia do Direito Penal).
Como exemplo, o texto cita a Lei de Crimes Hediondos, que muitas vezes serve mais para transmitir uma mensagem de rigor à sociedade do que para efetivamente reduzir a criminalidade complexa.
2.6. "NOMORREIA" PENAL OU PAN-PENALISMO
A "Nomorreia" Penal, também conhecida como Pan-Penalismo, descreve um fenômeno de proliferação de normas penais utilizadas como mecanismo de controle social.
Esse movimento de expansão descontrolada do Direito Penal é frequentemente impulsionado pelo Poder Público com o objetivo de atender a interesses políticos imediatos. Em vez de resolver problemas sociais estruturais com políticas públicas adequadas, o legislador recorre à criação excessiva de leis penais (inflação legislativa) como uma resposta simbólica, buscando transmitir uma imagem de atuação estatal enérgica.
2.7. DIREITO PENAL SUBTERRÂNEO
Além do sistema formal, a doutrina identifica duas formas de exercício do poder punitivo que operam à margem da legalidade:
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Direito Penal Subterrâneo: É o poder punitivo exercido pelas próprias agências que compõem o sistema punitivo formal do Estado, mas que atuam de forma arbitrária, à margem da lei. Isso ocorre, muitas vezes, com a complacência de outros órgãos que também integram o sistema oficial. Refere-se, por exemplo, à violência policial, tortura ou outras violações cometidas por agentes estatais fora dos procedimentos legais.
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Direito Penal Paralelo: De forma similar, é o poder punitivo exercido por agências que não fazem parte do controle punitivo formal do Estado, mas que, na prática, exercem tal poder. Exemplos incluem milícias, grupos de extermínio ou o "tribunal do crime" de facções criminosas, que impõem suas próprias leis e sanções (como a pena de morte) de forma paralela ao sistema de justiça oficial.
2.8. DIREITO PENAL QUÂNTICO
O Direito Penal Quântico é uma vertente teórica que propõe uma análise mais complexa do delito, indo além da simples imputação física.
Esta visão é definida como aquela que não se contenta com a mera relação de causalidade (a relação física direta de causa e efeito). Ela exige que a análise penal contenha, ainda, elementos indeterminados que devem ser aferidos pelos operadores do direito no caso concreto.
Entre esses elementos, destacam-se o nexo normativo (a relação valorativa da conduta com a norma) e a tipicidade material (a relevância da lesão ao bem jurídico), que devem ser considerados na análise do fato subjacente aos autos.
2.9. DIRIETO DE INTERVENÇÃO
(Winfried Hassemer)
O jurista alemão Winfried Hassemer, associado à chamada "Escola Penal de Frankfurt", propõe um modelo conhecido como Direito de Intervenção como forma de frear a expansão contínua do Direito Penal na moderna "sociedade de riscos".
Este modelo se situa em um espaço intermediário, entre o Direito Penal tradicional e o Direito Administrativo.
A premissa de Hassemer é que o Direito Penal "clássico" não deve ser alargado para abranger todos os novos problemas sociais (como riscos ambientais, econômicos ou de saúde pública). Pelo contrário, o Direito Penal deve ser reservado à sua função essencial: a proteção de bens jurídicos individuais (como vida, integridade física, liberdade, honra, propriedade) e de situações que causem perigo concreto.
Nesse sentido:
- As infrações difusas ou coletivas, que causam perigo abstrato (como proteção ao meio ambiente, saúde pública ou ordem econômica), não deveriam ser tratadas pelo Direito Penal máximo, mas sim por este "Direito de Intervenção".
- Este novo ramo teria como finalidade controlar e inibir os riscos das novas tecnologias e do desenvolvimento econômico.
- Por ser um ramo intermediário, o Direito de Intervenção poderia contar com garantias e formalidades mais flexíveis e menos exigentes que o Direito Penal, mas, em contrapartida, aplicaria sanções menos intensas contra o indivíduo.
2.10. DIREITO PENAL COMO PROTEÇÃO DE CONTEXTOS DA VIDA EM SOCIEDADE
(Günther Stratenwerth)
Seguindo uma linha de pensamento voltada aos novos desafios sociais, o jurista Günther Stratenwerth propõe que o Direito Penal deve se concentrar na proteção dos interesses difusos, ou seja, nos interesses da coletividade.
Segundo essa visão, o foco do aparato penal deve ser a proteção de bens jurídicos amplos, como o meio ambiente ou a ordem econômica, visando garantir a segurança para as futuras gerações.
Nesta concepção, a proteção de interesses meramente individuais (como a propriedade ou a honra) deve ser relegada a um segundo plano, cabendo ao Direito Penal, prioritariamente, assegurar os contextos da vida em sociedade.
2.11. DIREITO PENAL GARANTISTA
(Luigi Ferrajoli) e seus Axiomas Fundamentais
Conforme mencionado anteriormente (no subtópico 2, ao discutir o "Direito Penal Mínimo"), o jurista italiano Luigi Ferrajoli é o principal expoente do Garantismo Penal.
Segundo o jurista brasileiro André Estefam, Ferrajoli prega um modelo de Direito Penal voltado ao respeito intransigível aos direitos fundamentais. Ele assevera que "o garantismo penal resulta num Direito Penal Mínimo, em que a Constituição figura como limite intransponível à atuação punitiva do Estado."
Para estruturar esse limite, Ferrajoli estabeleceu 10 axiomas (ou princípios correlatos) que devem nortear o sistema penal para que ele seja considerado legítimo e justo. São eles:
| Axioma (Latim) | Princípio Correlato (Tradução/Interpretação) |
|---|---|
| Nulla poena sine crimine | Princípio da retributividade (ou da consequencialidade da pena em relação ao delito) |
| Nullum crimen sine lege | Princípio da legalidade |
| Nulla lex (poenalis) sine necessitate | Princípio da necessidade (ou da economia do direito penal) |
| Nulla necessitas sine injuria | Princípio da lesividade (ou da ofensividade do evento) |
| Nulla injuria sine actione | Princípio da materialidade (ou da exterioridade da ação) |
| Nulla actio sine culpa | Princípio da culpabilidade |
| Nulla culpa sine judicio | Princípio da jurisdicionariedade |
| Nullum judicium sine accusatione | Princípio acusatório |
| Nulla accusatio sine probatione | Princípio do ônus da prova (ou da verificação) |
| Nulla probatio sine defensione | Princípio da defesa (ou da falseabilidade) |
GUIA DE ESTUDOS
Este guia foi elaborado para revisar e aprofundar a compreensão sobre os principais movimentos teóricos e as categorias fundamentais do Direito Penal, com base nos conceitos apresentados no material de referência.
1. Qual é a premissa central do Abolicionismo Penal e qual é a principal crítica que essa corrente recebe?
A premissa central do Abolicionismo Penal é a abolição completa do Direito Penal e do sistema de aprisionamento, defendendo a recuperação do indivíduo por meios alternativos. A principal crítica é que essa corrente não apresenta soluções concretas e viáveis para substituir o aparato penal na gestão dos conflitos sociais.
2. Explique o que significa a expressão "Direito Penal Mínimo" dentro da teoria do Garantismo Penal.
O "Direito Penal Mínimo" significa que a intervenção penal deve ocorrer somente como último recurso (ultima ratio), quando outros ramos do Direito se mostrarem insuficientes. Seu objetivo é limitar a atuação estatal à proteção dos bens jurídicos mais importantes.
3. Como o movimento de Lei e Ordem enxerga o papel do Direito Penal, e qual política criminal notória inspirou essa abordagem?
O movimento de Lei e Ordem vê o Direito Penal como a primeira e principal resposta ao crime (prima ratio), focando na restauração da ordem social. Essa abordagem foi inspirada na política de "tolerância zero" implementada em Nova Iorque nos anos 90.
4. Descreva a ideia central da Teoria das Janelas Quebradas e quem foram seus criadores.
A Teoria das Janelas Quebradas, criada por James Q. Wilson e George Kelling, apregoa que pequenos delitos, se não forem prontamente reprimidos, conduzirão ao cometimento de crimes mais graves. A ideia central é que a desordem gera mais desordem, pois a tolerância com pequenas infrações sinaliza descaso estatal.
5. Segundo a Análise Econômica do Crime, qual é o processo racional que leva um indivíduo a cometer um delito?
Segundo essa corrente, a decisão de cometer um crime é o resultado de um juízo racional de custo-benefício. O indivíduo avalia os ganhos potenciais do delito (benefício) contra os riscos e a severidade da punição (custo), e age se o benefício superar o custo.
6. O que é Compliance Criminal e qual responsabilidade ele transfere para o setor privado?
O Compliance Criminal é uma abordagem que transfere ao setor privado a responsabilidade de prevenir, detectar e remediar ilícitos. As corporações devem criar programas de integridade para garantir o cumprimento das leis, especialmente no combate à criminalidade econômica.
7. Quem é o whistleblower e qual a sua principal característica em relação à entidade onde o crime ocorre?
O whistleblower, ou "informante do bem", é um indivíduo que tem conhecimento de um ato criminoso por manter ou ter mantido um vínculo com a entidade (pública ou privada) que está praticando o ilícito. Ele é um mecanismo de incentivo à denúncia interna.
8. Diferencie o Direito Penal do Fato do Direito Penal do Autor, indicando qual deles é adotado no sistema brasileiro.
O Direito Penal do Fato, adotado no Brasil, pune o agente pelo que ele fez, focando exclusivamente no ato praticado. Já o Direito Penal do Autor, associado a regimes totalitários, pune a pessoa pelo que ela é, com base em um juízo de periculosidade.
9. O que caracteriza o Direito Penal de Emergência e qual é a sua finalidade principal?
O Direito Penal de Emergência surge para atender a demandas sociais geradas por eventos de grande comoção, criando normas repressivas que frequentemente ignoram garantias do cidadão. Sua finalidade é devolver o sentimento de tranquilidade à sociedade.
10. Qual é a proposta do Direito de Intervenção, de Winfried Hassemer, e onde ele se situa em relação a outros ramos do Direito?
O Direito de Intervenção, proposto por Winfried Hassemer, busca frear a expansão do Direito Penal, situando-se entre o Direito Penal tradicional e o Direito Administrativo. Ele propõe tratar infrações que geram perigo abstrato (como crimes ambientais) com sanções menos intensas e garantias mais flexíveis que as do Direito Penal clássico.
DISCURSIVAS PARA PRÁTICA
- Compare e contraste as premissas do Garantismo Penal (Direito Penal Mínimo) e do movimento de Lei e Ordem (Direito Penal Máximo), discutindo suas implicações para o poder punitivo do Estado e para os direitos fundamentais do cidadão.
- Discorra sobre a Teoria das Janelas Quebradas, detalhando o experimento social de Phillip Zimbardo que a inspirou e a conclusão sobre a relação entre desordem, psicologia humana e criminalidade.
- Explique como os conceitos de Direito Penal Simbólico, Direito Penal de Emergência e "Nomorreia" Penal (Pan-Penalismo) se relacionam, analisando a função aparente versus os resultados efetivos dessas abordagens.
- Analise a distinção entre Direito Penal Subterrâneo e Direito Penal Paralelo, fornecendo exemplos de cada um e explicando como ambos representam um exercício do poder punitivo à margem do sistema legal formal.
- Exponha e compare as propostas de Winfried Hassemer (Direito de Intervenção) e Günther Stratenwerth (Direito Penal como proteção de contextos) sobre o papel do Direito Penal na moderna "sociedade de riscos", destacando o foco da proteção penal em cada uma delas.
Matéria: Direito Penal | Assunto: Noções Introdutórias e Princípios | Banca: MPE-GO | Ano: 2019 | Órgão: MPE-GO | Cargo: Promotor de Justiça Substituto
Analise as proposições seguintes e assinale a alternativa correta:
I - Jesús-María Silva Sánchez fala em Direito Penal de “duas velocidades”. Segundo o referido autor, há um a primeira velocidade, representada pelo Direito Penal “da prisão” , na qual haver-se-iam de manter rigidamente os princípios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princípios processuais. A segunda velocidade, por sua vez, estaria relacionada aos casos em que, por não se tratar de prisão, mas de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar um a flexibilização proporcional a menor intensidade da sanção.
II - Na medida em que o Direito Penal nazista era entendido como um instrumento de luta contra os infiéis à com unidade do povo e que a violação de um dever era o conteúdo material do crime, era lógico que o centro de gravidade para o exercício do poder punitivo tinha de passar a ser a “vontade contrária ao Direito” , e não mais o “ resultado proibido” . Nesse contexto foi concebido o “Direito Penal da vontade” , construção teórica marcante do Direito Penal nazista, sendo Roland Freisler um de seus principais expoentes. Essa concepção baseada na vontade permitiu a expansão do poder punitivo a níveis que um a dogmática atrelada a resultados de dano a bens jurídicos não admitia, já que ensejou uma profusa criminalização dos perigos abstratos. Além do mais, tal concepção também defendia que a tentativa tivesse a mesma pena do crime consumado.
III - Para Günther Jakobs a função do Direito Penal é tutelar a vigência da norma. Quando o infrator comete um crime ele rompe com as expectativas normativas. A pena, assim, tem como função restabelecer a vigência da norma e demonstrar para a sociedade que ela pode seguir confiando no sistema normativo (estabilização das expectativas normativas).
IV - Winfried Hassemer, da chamada “Escola Penal de Frankfurt”, observa que o Direito Penal Moderno, procurando minimizar a insegurança oriunda de uma sociedade de riscos, tem se tornado um instrumento em busca do controle dos grandes problemas da sociedade atual, como a proteção ao meio ambiente, da saúde pública, da ordem econômica, dentre outros. Assim, com o intuito de frear essa tendência de expansão do Direito Penal e com o objetivo de permitir a atuação do Direito Penal em relação aos tipos penais tradicionais, consubstanciados pelo núcleo básico de bens jurídicos individuais, propõe um “Direito de Intervenção” , situado entre o Direito Penal e o Direito Administrativo, que teria por finalidade controlar e inibir os riscos oriundos das novas tecnologias e do desenvolvimento econômico contemporâneo, por meio da proibição de condutas perigosas e da proteção de bens jurídicos coletivos. Esse “Direito de Intervenção”, segundo Hassemer, poderia contar com garantias e formalidades mais flexíveis e menos exigentes, mas também seria provido com sanções menos intensas contra o indivíduo.