O Monitoramento em Vias Públicas e a Ausência de Expectativa de Privacidade

A inserção de novas tecnologias no cotidiano da segurança pública tem transformado a maneira como investigações e operações são conduzidas. Nesse cenário, o uso de drones por forças policiais tornou-se uma ferramenta rotineira, levantando debates importantes sobre os limites legais da captação de imagens. O ponto de partida para compreender a validade jurídica dessas provas reside na distinção entre espaços privados e vias públicas.

Quando se trata de monitoramento em vias públicas, o entendimento consolidado pelos tribunais brasileiros é de que não existe uma expectativa legítima de privacidade por parte dos indivíduos que ali circulam. Juridicamente, a utilização de drones nestes ambientes é equiparada ao conceito de "campana aérea". Assim como um policial pode observar movimentações suspeitas a olho nu ou com binóculos em uma rua, o drone atua como uma extensão tecnológica desse olhar, permitindo uma vigilância mais ampla e segura.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diversas cortes estaduais têm firmado o posicionamento de que essa prática é lícita. A captura de imagens em locais de livre acesso não configura "ação controlada" — técnica de investigação que exigiria comunicação prévia ou autorização judicial específica —, tampouco viola direitos fundamentais, uma vez que o que ocorre em público é, por natureza, acessível a terceiros.

Consequentemente, as provas obtidas através desse tipo de monitoramento dispensam autorização judicial prévia para serem consideradas válidas em processos criminais. A jurisprudência recente reforça que a tecnologia serve, neste caso, apenas para documentar o que já está exposto ao domínio público.

"Em via pública: não há expectativa de privacidade. Drone = campana aérea. STJ e vários Tribunais afirmam que é 100% lícito, dispensa autorização judicial e não configura 'ação controlada'." (Baseado no entendimento do AgRg no RHC 203030/SC – 2025; TJ-SP 1500549-26.2025; TJ-SC 5000438-70.2025)

Portanto, ao captar ações criminosas ou movimentações suspeitas em ruas, praças e avenidas, a polícia atua dentro da legalidade, respaldada por decisões que validam a eficácia e a regularidade dessas provas para a instrução processual.


A Captação de Imagens em Áreas Externas de Residências: O Que Diz a Jurisprudência

A análise jurídica torna-se mais complexa quando o monitoramento aéreo ultrapassa a via pública e alcança os limites de uma propriedade privada. No entanto, a jurisprudência atual tem estabelecido uma distinção crucial entre o interior da residência e as suas áreas externas, como quintais, telhados e zonas de circulação.

Os tribunais têm entendido que a captação de imagens restrita à movimentação externa não configura, necessariamente, uma violação de domicílio. A lógica aplicada é a de que elementos visíveis externamente — como a presença de indivíduos no quintal ou atividades sobre o telhado — possuem um grau de proteção de privacidade inferior ao dos cômodos internos da casa. Portanto, se o drone se limitar a registrar o que ocorre nessas áreas abertas, a prova obtida tende a ser considerada válida.

Esse entendimento é fundamental para operações policiais que buscam confirmar a presença de suspeitos ou identificar rotas de fuga e esconderijos de ilícitos (como drogas ou armas) armazenados fora da estrutura principal da habitação. Nestes casos, a ausência de um mandado judicial específico para o sobrevoo não invalida automaticamente as evidências coletadas, desde que a intimidade do lar não seja devassada.

"Em áreas externas da casa: se captar apenas movimentação externa, telhado, quintal ou circulação de usuários → prova válida, sem violação de domicílio." (TJ-SC 5000099-05.2025; TJ-SP HC 2118810-26.2025; TJ-PR 4115-97.2025)

Assim, a validade da prova reside na natureza da área captada. Enquanto a movimentação externa e a estrutura periférica do imóvel podem ser monitoradas como extensão da diligência policial, a barreira da legalidade se ergue rigidamente quando se tenta observar o que acontece dentro das quatro paredes, tema que exige cautelas constitucionais específicas.


A Inviolabilidade do Domicílio e a Necessidade de Autorização Judicial

Embora a tecnologia ofereça novas perspectivas de vigilância, ela encontra uma barreira intransponível nos direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal. A partir do momento em que a captação de imagens por drones se volta para o interior de uma residência ou para ambientes estritamente privados, o cenário jurídico muda drasticamente: a regra passa a ser a exigência de ordem judicial.

A legislação brasileira é clara ao proteger o domicílio. O artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal consagra a inviolabilidade do lar. Além disso, o Código Civil, em seu artigo 1.229, estende o conceito de propriedade ao espaço aéreo correspondente ao solo, desde que útil ao seu exercício. Juridicamente, isso significa que invadir o espaço aéreo de um imóvel para filmar seu interior equivale a um ingresso físico não autorizado.

A jurisprudência majoritária entende que, se o equipamento for direcionado para revelar a vida privada dentro da casa — ou mesmo em suas imediações de modo a devassar a intimidade —, configura-se uma violação. Nesses casos, qualquer prova obtida sem o devido mandado judicial é considerada ilícita e deve ser desentranhada do processo.

"A Constituição protege a inviolabilidade do domicílio e o direito à privacidade (art. 5º, XI). [...] Usar drone para captar imagens do interior de uma área privada equivale a ingressar nela — portanto, depende de ordem judicial (art. 240, §1º, CPP)."

Um exemplo prático que ilustra essa tensão entre vigilância e privacidade envolveu o registro de imagens, por um veículo de imprensa, do ex-presidente Jair Bolsonaro e do deputado Nikolas Ferreira na área externa de uma residência onde se cumpria prisão domiciliar. A divulgação das imagens, que captaram o uso de um aparelho celular (conduta vedada pelas regras da visitação), gerou intenso debate sobre a violação de privacidade.

Embora neste caso específico a discussão envolva a esfera cível e o uso de imagem por uma empresa privada, a lógica jurídica aplicada à investigação criminal é análoga e ainda mais rígida. Os tribunais têm decidido que a captação de imagens internas, mesmo que feita a partir de um drone posicionado externamente, viola a intimidade e o domicílio.

"Registrar imagens internas por drone viola intimidade e domicílio, ainda que o equipamento não entre fisicamente no espaço. [...] Mesmo em investigação, é obrigatória autorização judicial; não se trata de imagem de local público." (TJ-MG, Ap. Crim. 0026469-63.2020; TJ-PR, Ap. Crim. 0001928-98.2025)

Portanto, a "lente tecnológica" não autoriza o Estado a ver o que o olho humano não poderia ver sem entrar na casa. Sem autorização judicial expressa, a invasão da privacidade anula a prova.


Aspectos Administrativos: O Uso de Equipamentos Particulares e Normas da ANAC

Além das questões constitucionais sobre privacidade, o uso de drones em operações policiais suscita dúvidas de ordem administrativa, especialmente quanto à propriedade do equipamento e à regularidade do voo perante os órgãos de controle aéreo.

É comum que, diante da escassez de recursos, agentes de segurança utilizem drones particulares para realizar diligências. A jurisprudência dos tribunais brasileiros tem se posicionado no sentido de que essa prática, por si só, não gera nulidade automática das provas obtidas. O foco da validade jurídica recai sobre a licitude da obtenção da prova (respeito aos direitos fundamentais) e não sobre a titularidade patrimonial do instrumento utilizado.

Da mesma forma, eventuais descumprimentos de normas administrativas estabelecidas pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) ou pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) não contaminam necessariamente o processo penal. As regras desses órgãos visam a segurança da navegação aérea e a ordenação do espaço aéreo, possuindo natureza distinta das normas processuais penais.

Os tribunais aplicam o princípio de que "não há nulidade sem prejuízo" (pas de nullité sans grief). Ou seja, para que uma prova seja anulada devido a irregularidades administrativas no uso do drone, a defesa precisa demonstrar que houve um prejuízo efetivo e concreto aos direitos do acusado ou à integridade da evidência. A simples falta de um plano de voo registrado ou o uso de um equipamento não tombado pelo Estado não torna a prova ilícita, desde que a captação das imagens tenha respeitado os limites constitucionais da privacidade e do domicílio.

"Drone particular do policial? Pode. Não há nulidade automática, e normas da ANAC/DECEA são administrativas: só anulam se houver prejuízo." (TJ-DFT 0732419-31.2021; TJ-SP 1500101-34.2022; TJ-SP 1501778-52.2025)

Em suma, a validade da prova obtida por drones depende primordialmente da observância das garantias constitucionais — especialmente a inviolabilidade do domicílio — sendo as infrações administrativas resolvidas nas esferas disciplinares ou civis competentes, sem o condão de invalidar automaticamente a persecução penal.


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há 16 horas
Matéria: Atividade Policial
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