1. Introdução: O Tumulto na Festa (v. 25-27)

O cenário é a vibrante e tensa Jerusalém durante a Festa dos Tabernáculos, uma das três grandes festas de peregrinação judaica. Jesus, desafiado anteriormente por Seus irmãos a manifestar-Se publicamente, encontra-Se no centro das atenções, ensinando no templo. No entanto, Seu ministério não ocorre em paz; Ele é um homem procurado, acusado de blasfêmia e de ser um enganador. A atmosfera está carregada de boatos, medo e uma expectativa crescente. É nesse contexto que o povo de Jerusalém, ciente das ameaças que pairam sobre Jesus, começa a questionar o que vê.

Alguns de Jerusalém diziam: Não é este o homem que estão querendo matar? Eis que ele fala abertamente, e ninguém lhe diz nada. Será que as autoridades reconhecem, de fato, que este é o Cristo? Mas nós sabemos de onde esse homem vem; quando, porém, o Cristo vier, ninguém saberá de onde ele é. (João 7:25-27, ARA)

A perplexidade do povo é palpável. Eles sabiam que os líderes religiosos desejavam a morte de Jesus, especialmente após a cura do paralítico no tanque de Betesda em um sábado, o que consideravam uma violação da lei. Contudo, Jesus não estava escondido; Ele falava "abertamente".

Essa ousadia de Cristo gera uma dissonância cognitiva no povo: Como pode um homem condenado pelos líderes continuar ensinando com tanta autoridade, sem que ninguém o prenda? A única explicação lógica que lhes ocorre é surpreendente: "Será que as autoridades reconhecem, de fato, que este é o Cristo?". Eles questionam se os sacerdotes e fariseus, em segredo, teriam mudado de ideia.

2. O Paradoxo Messiânico (v. 27)

A hesitação do povo em aceitar Jesus, apesar da possibilidade levantada por eles mesmos ("Será que este é o Cristo?"), revela-se imediatamente no versículo seguinte. A identidade de Jesus colidia frontalmente com as noções preconcebidas que muitos tinham sobre o Messias.

Mas nós sabemos de onde esse homem vem; quando, porém, o Cristo vier, ninguém saberá de onde ele é. (João 7:27, ARA)

Aqui vemos um fascinante conflito de interpretações. Por um lado, a maioria dos estudiosos das Escrituras, baseada na profecia, esperava um Messias vindo de Belém:

E tu, Belém Efrata, que és pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá aquele que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade. (Miqueias 5:2, ARA)

O povo, contudo, conhecia Jesus como "de Nazaré", da Galileia, uma região desprezada. Eles conheciam Seus pais e Seus irmãos. Para eles, essa origem conhecida e humilde desqualificava-O como o Messias de Belém.

Por outro lado, o texto de João revela que havia também uma crença popular, talvez minoritária, de que o Messias apareceria "do nada", de forma repentina e misteriosa, vindo de um lugar desconhecido.

Jesus não se encaixava em nenhuma dessas expectativas populares. Ele não era o guerreiro que eles esperavam para derrotar Roma, nem o revolucionário social. Ele não era o Messias misterioso vindo do nada, pois Sua família era conhecida. E, embora tenha nascido em Belém, Sua vida pública estava associada a Nazaré. A verdade de Jesus feria tudo o que eles pensavam que sabiam sobre Deus, e por isso, muitos O rejeitaram.

3. A Resposta de Jesus: A Origem Celestial (v. 28-29)

Enquanto ensinava no templo, ouvindo os murmúrios e as especulações da multidão, Jesus não se cala. Ele confronta diretamente a ignorância deles, usando uma profunda ironia que expõe a cegueira espiritual daqueles que se julgavam conhecedores das Escrituras.

Enquanto ensinava no templo, Jesus disse em voz alta: Vocês não somente me conhecem, mas também sabem de onde eu sou. Eu não vim porque eu de mim mesmo o quisesse, mas aquele que me enviou é verdadeiro, aquele a quem vocês não conhecem. Eu o conheço, porque venho da parte dele, e ele me enviou. (João 7:28-29, ARA)

A frase "Vocês me conhecem e sabem de onde eu sou?" é carregada de um sentido irônico. É como se Jesus dissesse: "Ah, então vocês acham que me conhecem? Vocês sabem meu nome, minha cidade, minha família... e pensam que isso é tudo?" Eles de fato O conheciam, mas apenas em um nível superficial e humano. Eles ignoravam completamente Sua verdadeira origem.

Jesus então esclarece: Ele não veio por iniciativa própria. Sua missão não é um projeto humano, mas uma ordem divina. Ele foi enviado por "Aquele que é verdadeiro" – o próprio Deus Pai. E então, Jesus faz a acusação mais contundente: "Aquele a quem vocês não conhecem."

Aqueles homens religiosos, que se orgulhavam de conhecer o único Deus verdadeiro, são confrontados com a realidade de que não O conheciam. Se conhecessem a Deus, reconheceriam Aquele que Ele enviou. As Escrituras, que eles estudavam, testemunhavam e apontavam para Cristo, mas eles não conseguiam ligar os textos à Pessoa diante deles.

Jesus não está falando apenas de Seu nascimento humano em Belém; Ele está falando de Sua origem celestial, de Sua preexistência eterna. "Eu O conheço, porque venho da parte dEle". Ele é o Emanuel, o Deus conosco, revelando o Pai invisível. Mas aqueles que deveriam ser os primeiros a recebê-Lo estavam cegos pela própria arrogância.

4. A Soberania da Hora (v. 30)

A afirmação de Jesus de que Ele vinha do Pai, e que os líderes judeus não conheciam o Pai, foi a gota d'água. Isso era, aos ouvidos deles, uma blasfêmia intolerável, como já havia acontecido em discussões anteriores (João 5:18), quando eles entenderam que Jesus Se fazia igual a Deus. A reação foi imediata.

Então, quiseram prendê-lo; mas ninguém lhe pôs as mãos, porque a sua hora ainda não era chegada. (João 7:30, ARA)

Este versículo é teologicamente denso e crucial para entender todo o Evangelho. Temos, de um lado, a intenção humana: "quiseram prendê-lo". O ódio, os planos e a autoridade dos líderes religiosos estavam todos alinhados para deter Jesus ali mesmo, no templo.

Do outro lado, temos a soberania divina: "ninguém lhe pôs as mãos". Por quê? Não por falta de tentativa ou desejo, mas "porque a sua hora ainda não era chegada".

A "hora" de Jesus é um conceito-chave em João. Não se refere ao tempo cronológico (kronos), mas ao tempo determinado por Deus (kairos) para o cumprimento de Seu plano. Jesus está ali, acessível, em um lugar público, cercado por inimigos que têm poder para prendê-lo. No entanto, eles são sobrenaturalmente impedidos.

Deus estava no controle total da história. O tempo de Jesus não seria ditado pela fúria dos homens, mas pelo plano do Pai. Sua "hora" – o momento de Sua entrega voluntária, glorificação na cruz e ressurreição – ainda não havia chegado. Como Ele disse aos Seus irmãos no início do capítulo, "O meu tempo ainda não chegou".

Isso nos ensina que, por mais caótico que o cenário pareça, Deus tem a condução exata do momento, da forma e do tempo em que Sua vontade se cumpre.

5. A Divisão Inevitável: Crer ou Rejeitar (v. 31-32)

Diante da mesma pessoa e do mesmo discurso, dois caminhos opostos se formam. De um lado, o endurecimento dos líderes; do outro, a fé florescente entre o povo comum. O Evangelho de João nos mostra repetidamente que, diante de Jesus, só há duas opções: crer ou rejeitar.

Porém muitos dentre a multidão creram nele e diziam: Quando o Cristo vier, fará, porventura, maiores sinais do que este homem tem feito? Os fariseus, ouvindo a multidão murmurar estas coisas a respeito dele, juntamente com os principais sacerdotes, enviaram guardas para o prender. (João 7:31-32, ARA)

Enquanto os eruditos e líderes tropeçavam em suas próprias expectativas teológicas (a origem de Jesus), muitos do povo simples chegaram a uma conclusão baseada na evidência: os sinais. Eles raciocinaram com uma lógica prática: "Quando o Messias vier, ele pode fazer mais do que este homem?". Eles olhavam para as curas, para a autoridade do ensino, para o amor, o zelo e o cuidado com que Jesus tratava os marginalizados – aqueles que os religiosos "passavam por cima" – e concluíam: "Ele só pode ser o Cristo."

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Essa fé crescente acendeu o alarme dos fariseus. Os fariseus, sendo um grupo mais próximo do povo do que os aristocráticos saduceus (os "principais sacerdotes"), caminhavam entre a multidão e começaram a ouvir os "sussurros" de fé. Eles perceberam que estavam perdendo o controle da narrativa.

O que Jesus falava e fazia era radicalmente diferente do que eles ensinavam. Vendo sua autoridade ameaçada, os fariseus agiram. Eles deixaram de lado suas próprias rivalidades com os saduceus – com quem discordavam em muitos pontos, inclusive sobre a influência romana – para se unirem em torno de um inimigo comum: Jesus.

Eles não buscaram um julgamento justo; eles decidiram que Jesus tinha que ser preso e morto. A identificação de Jesus como o Cristo não os levou à devoção, mas à rejeição e à conspiração.

6. O Destino Incompreendido (v. 33-36)

O Evangelho de João cria aqui um momento de grande suspense literário e teológico. Os guardas (mencionados no verso 32) foram enviados, mas a narrativa foca novamente no discurso de Cristo. Ele não fala mais sobre Sua origem, mas sobre Seu destino, deixando Seus ouvintes ainda mais confusos.

Disse, pois, Jesus: Ainda por um pouco de tempo estou convosco e depois irei para junto daquele que me enviou. Vós me procurareis e não me achareis; também aonde eu estou, vós não podeis ir. (João 7:33-34, ARA)

Jesus anuncia abertamente Sua partida. Ele está falando de Sua morte, ressurreição e ascensão de volta ao Pai ("àquele que me enviou"). Ele estabelece uma separação espiritual absoluta: "aonde eu estou, vós não podeis ir". O lugar para onde Ele vai — a presença do Pai — é inacessível para aqueles que O rejeitam e permanecem em seus pecados.

Os judeus, no entanto, interpretam Suas palavras da maneira mais literal e terrena possível, revelando sua total incapacidade de compreender a dimção espiritual do Messias.

Disseram, pois, os judeus uns aos outros: Para onde irá este que não o possamos achar? Irá, porventura, para a diáspora entre os gregos, a fim de ensinar os gregos? Que significa isto que ele diz: Vós me procurareis e não me achareis; e: Aonde eu estou, vós não podeis ir? (João 7:35-36, ARA)

Eles não conseguem pensar "para cima" (céu); eles só conseguem pensar "para os lados" (geografia). Sua maior especulação é que Jesus, tendo fracassado em Jerusalém, fugiria para a "diáspora" (a dispersão dos judeus) ou, pior ainda, iria para os gentios ("os gregos").

O que eles dizem em zombaria é, ironicamente, uma profecia que eles mesmos não entendem. Eles não percebem que estão antecipando a verdade do Evangelho: por causa da rejeição de Israel, a Palavra de fato chegaria aos gregos e aos confins da terra. A zombaria deles apenas sublinhava o plano de Deus que eles ignoravam.

7. Aplicação: Quem é Jesus Para Você?

A verdade sobre Jesus Cristo nunca é apenas uma informação histórica ou teológica. Ela é uma verdade que exige uma resposta, uma verdade que nos confronta e nos divide. Assim como na Festa dos Tabernáculos, a presença de Jesus em nossas vidas nos coloca diante de uma escolha inevitável: devoção ou rejeição.

Não há meio-termo. Tentar ser "morno" em relação a Cristo já é, em essência, rejeitá-Lo. Ou cremos de forma plena, ou não cremos. Ou O aceitamos como o Enviado do Pai, o Senhor Soberano, ou O afastamos.

Os judeus em Jerusalém tinham o Deus encarnado diante deles. Tinham o cumprimento das Escrituras falando em seu meio. No entanto, muitos não O enxergaram, pois Ele não se encaixava no que eles queriam que o Messias fosse. Eles não buscavam o Deus verdadeiro; buscavam alguém que validasse suas tradições, resolvesse seus problemas políticos e lhes desse o que desejavam.

Isso nos leva a perguntar: Quem é Jesus para você?

  • Ele é apenas um meio para um fim? Um intermediário para conseguir bênçãos, curas ou prosperidade?
  • Ele é um filósofo moral, um bom exemplo a ser seguido superficialmente?
  • Ou Ele é o Senhor da sua vida, Aquele cuja Palavra redefine sua mente (metanoia), muda suas práticas e se torna o centro da sua existência?

Se Deus não é o fim, o objeto principal da nossa procura, Ele se torna apenas um atalho. E quando esse "deus" (que criamos à nossa imagem) não faz o que queremos, nós O rejeitamos e O matamos dentro de nós, tal como aqueles líderes religiosos fizeram. A verdadeira fé não usa Deus para nossos benefícios; a verdadeira fé nos leva a adorar a Deus por quem Ele é.

8. Conclusão: Somos Seguidores ou Apenas Parecemos?

Diante da pergunta "Quem é Jesus para você?", surge uma segunda questão igualmente vital: Nós somos seguidores de Jesus ou apenas parecemos ser?

Seguir alguém implica confiança e imitação. Se estamos em um carro seguindo um amigo para um lugar desconhecido, nós viramos quando ele vira, paramos quando ele para. Confiamos na indicação daquele que vai à frente.

No entanto, muitas vezes nossa vida cristã se assemelha mais a uma corrida de exibição. Queremos parecer bons seguidores, postar a foto bonita com o versículo, levantar a mão no templo e mostrar uma performance de piedade. Corremos rápido quando a "câmera" da comunidade está ligada, mas paramos exaustos quando ninguém está olhando. Queremos parecer ser, pois é mais fácil do que ser de verdade.

Por que entramos no templo domingo após domingo? É por culpa? Medo do inferno? Ou por interesse, esperando que Deus nos dê o que desejamos?

Jesus não veio apenas morrer por nós para nos livrar do inferno. Se fosse apenas isso, Ele poderia ter aparecido repentinamente, realizado milagres por duas semanas e ido para a cruz. Mas Ele viveu entre nós. Ele veio para nos ensinar como se vive.

A revelação de Deus em Cristo nos ensina a viver em comunidade, demonstrando uma nova dinâmica de vida baseada na compaixão, no zelo, no cuidado, na alegria, na paz e no amor mútuo.

A questão final é: somos gente do templo ou gente da religião? Somos aqueles que celebram quem Cristo é, partilham a comunhão, choram com os que choram e se alegram com os que se alegram? Ou somos aqueles que cumprem um ritual e, ao sair pela porta, rejeitam quem Jesus é em suas práticas diárias?

Deus nos convida a uma busca genuína, como prometeu em Jeremias:

Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração. (Jeremias 29:13, ARA)

Ele não está distante, mas espera ser convidado a entrar. Como o próprio Jesus diz à igreja em Laodiceia:

Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo. (Apocalipse 3:20, ARA)

Que nossos corações não sejam duros como os daqueles homens em Jerusalém, mas que, ao ouvirmos a voz do Pastor, possamos abrir a porta e conhecê-Lo verdadeiramente, não apenas de ouvir falar, mas como o Senhor e Salvador de nossas vidas.


A Casa da Rocha. #28 - O enviado que o mundo não entende - Gerson Marçal - Quem é Jesus?. Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5mGFJxVl6f4&t=3365s. Acesso em: 09/11/2025.

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há 3 semanas
Matéria: Bíblia
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