1. A Justificativa para Evangelizar: A Condição Universal da Humanidade
O apóstolo Paulo, em sua carta aos Romanos, estabelece uma base teológica crucial para a urgência da evangelização. O propósito central de Paulo é demonstrar à igreja em Roma que a pregação do Evangelho aos pagãos — aqueles que nunca ouviram falar de Cristo ou da lei mosaica — não é apenas necessária, mas fundamental.
Uma objeção comum, tanto naquela época quanto hoje, levanta a questão da justiça de Deus: como Ele poderia julgar ou condenar povos que nunca tiveram contato com a revelação bíblica? Se um grupo indígena isolado ou povos em regiões remotas desconhecem Jesus, pareceria injusto condená-los por não crerem Nele. Esse raciocínio leva a um dilema missionário: se o desconhecimento garante a inocência, a chegada de um missionário, ao apresentar Jesus, poderia inadvertidamente "condenar" aqueles que o rejeitam, enquanto antes estariam "salvos" pela ignorância.
Paulo contesta essa noção. Ele inicia a carta argumentando que toda a humanidade, independentemente de sua tribo, povo ou língua, encontra-se em uma situação de condenação diante de Deus. No entanto, essa condenação não se baseia na rejeição do Evangelho (que não ouviram) ou da Lei de Moisés (que não conhecem), mas sim na supressão de uma verdade universalmente acessível: a Revelação Natural.
2. A Revelação Natural: O Conhecimento Inato de Deus na Consciência e na Natureza
O apóstolo Paulo argumenta que a condenação dos pagãos é justa porque Deus, de fato, se revelou a eles. Essa revelação não vem pela Bíblia, mas de duas formas universais: a consciência e a natureza.
Primeiro, Paulo afirma que "o que de Deus se pode conhecer se manifestou entre eles" (Romanos 1:19). No íntimo de cada ser humano, existe um conhecimento, uma semente divina ou "imagem de Deus" (baseado em Gênesis), que testifica da existência de um Ser superior. Há uma consciência moral inata que aponta para Alguém maior que nós, e essa consciência também revela que esse Ser se ira com o comportamento injusto dos homens (Romanos 1:18).
Segundo, além da revelação interna (consciência), existe a revelação externa (natureza). Paulo é explícito no verso 20:
"Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas." (Romanos 1:20)
A criação, com sua complexidade, ordem e magnitude, funciona como um testemunho visível das qualidades invisíveis de Deus. A natureza declara que Ele existe, que é eterno, poderoso e distinto do mundo criado. O universo não pode ter surgido do nada; a matéria não gera a si mesma.
Portanto, o ateísmo ou a rejeição de Deus não é o estado natural do homem. É, segundo o texto, uma decisão deliberada de ignorar e suprimir as evidências claras que Deus forneceu tanto internamente (na consciência) quanto externamente (na criação).
3. Indesculpáveis Diante de Deus: A Rejeição da Verdade
Com base na dupla revelação (consciência e natureza), o apóstolo Paulo conclui o verso 20 com uma declaração contundente: "tais homens são, por isso, indesculpáveis" (Romanos 1:20).
Essa afirmação anula o argumento de que a ignorância da lei escrita ou do Evangelho resulta em inocência. No Dia do Juízo, Deus não condenará os pagãos por terem rejeitado a Jesus (a quem não conheceram), mas por terem suprimido a verdade que conheciam.
O argumento de defesa "eu não sabia" não será válido, pois Deus responderá que eles, de fato, sabiam. Eles sabiam, através da consciência e da criação, que Ele existia, que era santo, eterno, todo-poderoso e criador de todas as coisas. Eles tinham um código interno do certo e do errado.
A culpa recai sobre a rejeição ativa desse conhecimento. A humanidade, em seu estado natural, "detém a verdade pela injustiça" (Romanos 1:18). Ela deliberadamente sufoca e rejeita o conhecimento de Deus, tanto o interno quanto o externo.
Se aqueles que receberam apenas a revelação natural são considerados indesculpáveis, o texto sugere que o julgamento será ainda mais severo para aqueles que, além dessa revelação, também tiveram acesso à Revelação Especial (a Bíblia) — que detalha quem é Deus, qual é a nossa condição e qual é o plano de reconciliação através de Jesus Cristo.
4. O Processo de Abandono: As Etapas da Queda Humana
Nos versículos 21 a 23 de Romanos 1, o apóstolo Paulo detalha o processo degenerativo de como a humanidade, partindo do conhecimento de Deus, afasta-se Dele e mergulha na idolatria. Esse processo começa com o que a humanidade deveria ter feito, mas não fez.
O texto afirma: "porquanto, tendo conhecimento de Deus..." (Romanos 1:21). Isso estabelece, mais uma vez, que o conhecimento básico de Deus estava presente em todo ser humano. Diante desse conhecimento, duas respostas eram esperadas:
- Glorificar a Deus: Reconhecer quem Ele é. Mesmo sem saber Seu nome revelado, o ser humano deveria olhar para a criação e se curvar diante do poder eterno e da divindade ali demonstrados.
- Dar graças a Deus: Reconhecer que a vida, a saúde, o alimento, as estações e todo o sustento provêm desse Criador generoso.
A humanidade, no entanto, falhou em ambas as respostas. Paulo descreve o que ela fez em vez disso: "não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios..." (Romanos 1:21).
O abandono de Deus não é um evento instantâneo, mas um processo de queda intelectual e moral, que Paulo descreve em etapas claras, começando pela forma como o ser humano utiliza sua mente.
5. Do Raciocínio Nulo ao Coração Obscurecido
O processo de afastamento de Deus começa na mente, com o mau uso da razão humana.
A Nulidade do Raciocínio (Romanos 1:21)
A primeira etapa descrita por Paulo é: "...antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios..." (Romanos 1:21).
É crucial notar que o problema não é o ato de raciocinar. A fé e a razão não são mutuamente exclusivas; a razão foi dada por Deus para que o homem pudesse compreender o mundo e a própria revelação divina. Historicamente, muitos dos pioneiros da ciência moderna eram cristãos.
O problema apontado é o racionalismo: a tentativa de entronizar a razão humana como a medida de todas as coisas, excluindo Deus da equação. Quando o ser humano começa a raciocinar sem Deus como referencial, ele perde a base para encontrar respostas às questões fundamentais da existência (Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? O que é certo e errado?).
Paulo, provavelmente referindo-se à filosofia grega de sua época, afirma que esses raciocínios se tornam "nulos", ou seja, inúteis. Eles não levam a lugar nenhum, não descobrem quem é Deus, nem solucionam os grandes enigmas da vida. Movimentos posteriores, como o Iluminismo, que buscaram na Razão Pura a libertação da religião, ou teorias que tentam explicar a origem da vida puramente pelo acaso (como o darwinismo, que, segundo a análise do texto, enfrenta dificuldades ao tentar explicar a informação complexa contida no DNA), são vistos como exemplos dessa nulidade: a razão humana, por si só, falha em prover as respostas últimas.
O Obscurecimento do Coração (Romanos 1:21)
A segunda etapa é uma consequência direta da primeira: "...obscurecendo-se-lhes o coração insensato." (Romanos 1:21).
O "coração", na visão bíblica, é o centro do ser humano, não apenas as emoções. Uma vez que a mente rejeita a Deus — a fonte de toda luz e conhecimento —, o coração mergulha na escuridão. O ser humano não possui luz própria. Assim como um quarto se torna completamente escuro quando a fonte externa de luz é removida, o coração humano, ao rejeitar Deus, fica perdido, tateando em trevas.
Esse coração obscurecido perde a capacidade de discernir o certo do errado, o que leva à confusão moral e existencial. O homem fica perdido, sem saber quem é, de onde veio ou para onde vai, resultando na perda dos pilares e fundamentos da civilização.
6. A Ilusão da Sabedoria e a Troca pela Idolatria
O processo degenerativo continua, passando da mente (raciocínio nulo) e do coração (obscurecido) para uma distorção completa da autoavaliação e, finalmente, para a idolatria.
A Ilusão da Sabedoria (Romanos 1:22)
A terceira etapa é a ironia da arrogância intelectual: "Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos" (Romanos 1:22).
Nesta fase, a humanidade perde a capacidade de autoavaliação correta. Ao abandonar Deus, ela começa a se considerar inteligente e sábia por criar suas próprias teorias e encontrar suas próprias "respostas". Contudo, Paulo declara que, nesse exato momento, eles se tornaram "loucos" (tolos).
Pode-se ser intelectualmente capaz, possuir múltiplos títulos acadêmicos e, ainda assim, estar completamente perdido nas questões fundamentais da vida, tendo abandonado a verdadeira sabedoria, que começa com o temor e o conhecimento de Deus. Essa tolice significa que o homem não consegue mais enxergar a verdade sobre sua própria condição.
A Troca pela Idolatria (Romanos 1:23)
A quarta etapa é o destino final dessa jornada: a idolatria. O homem, por natureza, é um ser religioso, pois foi criado à imagem de Deus. Ele não consegue viver sem um objeto de adoração; sua natureza clama por se prostrar diante de um poder superior.
Se ele rejeita o verdadeiro Deus, ele inevitavelmente cria um deus substituto para adorar. O ateísmo ou o agnosticismo não são estados neutros, mas, sob essa perspectiva, são eles próprios formas de religião onde algo (como a própria razão ou a humanidade) é colocado no lugar de Deus.
Paulo descreve a troca absurda que é feita:
"e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis." (Romanos 1:23)
O mundo antigo, que se orgulhava de sua filosofia e sabedoria (como os gregos), era, ironicamente, o mais idólatra. Paulo observou em Atenas, o berço intelectual da época, uma cidade repleta de altares, incluindo um "ao Deus desconhecido".
A idolatria não é vista como uma expressão inocente de pessoas sinceras que buscam a Deus, mas como o resultado direto da rebelião contra o conhecimento de Deus. A própria natureza e a consciência já indicavam que o Criador não poderia ser uma árvore, o sol, uma pedra ou um animal. A idolatria é, portanto, uma rejeição deliberada da verdade conhecida, trocando o Deus glorioso e incorruptível por imagens corruptíveis de sua própria criação.
7. A Idolatria Antiga e Suas Formas Modernas
A descrição de Paulo em Romanos 1:23 — adoração de homens, aves, quadrúpedes e répteis — era um retrato literal do mundo pagão da antiguidade. O Egito, por exemplo, adorava o Faraó (considerado um deus-homem), o pássaro Íbis (aves), o boi Ápis (quadrúpedes) e o crocodilo do Nilo (répteis). O Império Romano praticava o culto ao César, adorando o próprio imperador.
Embora essa forma de idolatria "grossa" ou rudimentar pareça distante da sociedade moderna, o princípio fundamental permanece o mesmo: o homem, ao rejeitar o Criador, passa a adorar a criatura. A idolatria contemporânea simplesmente assume formas mais sutis ou "científicas".
- Panteísmo e Ecologia: Uma versão moderna da adoração à natureza é o panteísmo, a ideia de que "Deus é tudo e tudo é Deus". Isso se manifesta em movimentos que tratam o planeta Terra (às vezes chamado de "Mãe Terra") como um organismo divino. Embora a defesa do meio ambiente seja uma responsabilidade cristã (cuidar da criação de Deus), a elevação da própria ecologia ao status de religião é uma forma de idolatria.
- O Dinheiro (Mamon): A Bíblia identifica o dinheiro (Mamon) como um "deus" rival. O apóstolo Paulo afirma explicitamente que a avareza (o apego ao dinheiro) é idolatria. Quando a busca por riqueza se torna o objetivo principal da vida, o prazer central e o foco do trabalho, o dinheiro ocupa o lugar de Deus no coração.
- O Prazer (Sexo): A sociedade pós-moderna, em particular, elevou o prazer — especialmente o sexual — à categoria de ídolo. Quando a satisfação dos desejos e a busca por "se sentir bem" se tornam a razão da existência, o prazer se torna o deus que rege a vida da pessoa.
- Outros Ídolos: Qualquer coisa pode ser colocada no lugar de Deus. Relacionamentos (filhos, cônjuges, namorados), poder, ou até mesmo a própria identidade podem se tornar ídolos quando recebem a devoção, o serviço e a confiança que pertencem somente ao Criador.
O ser humano, portanto, é incuravelmente religioso. A questão nunca é se ele vai adorar, mas o quê ou a quem ele vai adorar.
8. O Chamado ao Arrepende-se e a Necessidade do Evangelho
A descrição de Paulo em Romanos 1 não é apenas um diagnóstico do "mundo pagão" exterior; é um espelho que reflete a condição do coração humano, inclusive o daqueles que frequentam a igreja. Dentro de cada pessoa existe uma tendência de rejeitar o conhecimento de Deus, buscar autonomia, seguir os próprios caminhos e criar ídolos. Muitas vezes, isso resulta no "pior tipo de ateísmo": professar crer em Deus com a boca, mas negá-lo na prática, vivendo como se Ele não existisse.
Diante desse processo degenerativo — que começa na mente e corrompe todo o ser —, a solução necessária não é um pequeno ajuste ou um "band-aid" moral. A condição humana exige mais do que uma simples cirurgia; ela precisa de ressurreição.
É por isso que o Evangelho de Jesus Cristo é indispensável. Nenhuma filosofia humana ou esforço próprio pode reverter essa degeneração espiritual e mental. Somente o poder de Deus, manifesto no Evangelho, pode conceder uma nova mentalidade (uma "cosmovisão cristã"), tirar o coração das trevas e submetê-lo à verdade.
O convite final é para o autoexame sincero, o quebrantamento e o reconhecimento desse processo degenerativo no próprio coração. A única esperança de mudança, perdão e verdadeira vida é curvar-se diante do Criador, pedir misericórdia e aceitar a redenção oferecida unicamente através de Jesus Cristo.
Augustus Nicodemus. 05. A Origem da Idolatria (Rm 1.21-23). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1jqlttZ9_CU&list=PLQ__KBt7xtI-XkAaKZmLolb4VlGsMDex1&index=5. Acesso em: 4/11/2025.