A Expectativa por um Messias: O Povo e a Mensagem de João Batista

O Evangelho de Lucas, escrito ao seu amigo Teófilo, descreve um momento de intensa expectativa espiritual entre o povo judeu. Conforme registrado em Lucas 3:15, "estando o povo na expectativa e pensando todos em seu íntimo a respeito de João, se por acaso ele não seria o próprio Cristo". Essa inquietação popular revela um profundo anseio por mudança e pela chegada do Messias prometido.

João Batista surge nesse cenário como uma figura disruptiva. Ele não estava alinhado ao sistema religioso vigente, centrado no templo e nos sacrifícios. Pelo contrário, João, filho de sacerdote, abandona sua herança e prega no deserto, um ato de ruptura com a segurança institucional e tradicional. Ele conclamava as pessoas ao arrependimento, e elas iam até ele, sendo batizadas fora do sistema sacrificial estabelecido.

Esse movimento em direção a João demonstrava uma insatisfação com a lógica religiosa da época. O povo estava disposto a deixar para trás a comodidade de um sistema religioso e político estabelecido para ouvir uma voz que, embora dissonante e criticada pelas elites (tanto romanas quanto sacerdotais), parecia mais coerente com suas necessidades espirituais. A mensagem de João era um prenúncio do novo reino, onde o perdão não dependeria mais do sangue de animais, mas do Cordeiro de Deus.

A expectativa era tão palpável que o povo questionava se o próprio João não seria o Cristo. No entanto, João Batista compreendia claramente sua missão e sua posição, preparando o caminho para Aquele que viria após ele.


Evangelho como Morte: A Negação do "Eu" e o Abandono do Sistema

A mensagem central apresentada por Lucas a Teófilo é que o evangelho do Reino começa com um princípio radical: a morte. Não se trata de um ajuste ou um conserto superficial na vida de uma pessoa, mas de uma negação completa do antigo "eu".

Muitas vezes, busca-se a fé como uma ferramenta para "consertar" problemas específicos — um carro quebrado, uma doença, uma dificuldade financeira — sem um desejo real de mudança interna. No entanto, a proposta do evangelho é muito mais profunda. Como afirmado nos evangelhos:

"Quem quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me." (Mateus 16:24, referência contextual)

A comunidade cristã, nesse sentido, não é um espaço para que indivíduos lutem pela manutenção de suas identidades mundanas ou busquem aceitação "como são". Pelo contrário, é descrita como a união de pessoas que não se aceitam como são e que decidiram abandonar suas velhas vidas. É um lugar para aqueles que disseram "não" ao sistema do mundo, às suas ideias, ao seu orgulho e às suas vontades.

O evangelho propõe um Novo Nascimento, o que implica deixar para trás o que se era. A fé cristã não é sobre elevar a autoestima ou buscar honrarias humanas, mas sobre reconhecer a própria falha e a necessidade de uma transformação completa. É um chamado para "jogar fora" a vida antiga, independentemente de como ela se pareça, para abraçar uma nova realidade em Cristo.


Mais que Água: O Batismo no Espírito Santo e no Fogo

João Batista deixou clara a limitação de seu próprio ato ao diferenciar seu batismo do batismo que seria realizado pelo Messias. Ele afirma:

"Eu, na verdade, batizo vocês com água, mas vem aquele que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desamarrar as correias das suas sandálias. Ele os batizará com o Espírito Santo e com fogo." (Lucas 3:16)

O batismo de João era um símbolo externo de arrependimento, uma demonstração pública de uma decisão interna. Era um ato preparatório. O batismo de Cristo, no entanto, é descrito como algo muito mais profundo: um mergulho "no" Espírito (utilizando a preposição grega original que indica imersão) e "no" fogo.

Frequentemente, o "fogo" é associado a manifestações carismáticas, como as línguas de fogo em Atos dos Apóstolos. No entanto, o contexto imediato fornecido por Lucas aponta para outra direção. O versículo seguinte explica a natureza desse fogo:

"Ele tem a pá em suas mãos para limpar a sua eira e recolher o trigo no seu celeiro, porém queimará a palha no fogo que nunca se apaga." (Lucas 3:17)

Este fogo tem uma dupla característica:

  1. Purificação: O fogo limpa e purifica, assim como o trigo é separado da palha.
  2. Juízo: O fogo condena e queima aquilo que não serve, a "palha".

Portanto, o batismo "no fogo" não se refere primariamente a uma experiência emocional, mas ao processo transformador e purificador de Deus na vida do crente, separando o que é valioso do que deve ser descartado, e também ao juízo final.

Publicidade


A Metáfora do Picles: O Significado de Ser "Batizado" em Cristo

Para ilustrar a profundidade do batismo em Cristo, podemos analisar a etimologia das palavras gregas bapto e baptismos.

  • Bapto: Refere-se a um mergulho superficial, como molhar ou tingir um pedaço de pão ou um tecido. É um ato temporário, onde o objeto é mergulhado e retirado.
  • Baptismos: Carrega um sentido mais intenso, significando afundar ou submergir permanentemente, como um navio que afunda.

Uma antiga receita de picles, atribuída ao poeta grego Nicandro (século II a.C.), utiliza ambas as palavras de forma instrutiva. A receita indicava que o legume deveria primeiro ser bapto (mergulhado rapidamente) na água quente para amolecer e abrir os poros. Em seguida, deveria ser baptismos (submerso permanentemente) em uma solução de vinagre.

O resultado desse processo é uma transformação completa. Após o baptismos no vinagre, o legume perde sua essência original e se torna um picles, adquirindo um novo sabor e uma nova natureza.

Essa metáfora ilustra o que Lucas descreve a Teófilo. O batismo de João (com água) pode ser visto como o bapto inicial, um símbolo de arrependimento. O batismo em Cristo, no entanto, é o baptismos. É ser mergulhado no Espírito de tal forma que a pessoa é transformada de dentro para fora. Como Paulo escreve: "não vivo mais eu, mas Cristo vive em mim" (Gálatas 2:20). É um processo contínuo de transformação onde a essência da pessoa muda, passando a refletir a natureza de Cristo, assim como o pepino assume a natureza da solução em que está mergulhado.


O Batismo de Jesus: A Confirmação do Filho Amado

O clímax desse período inicial ocorre com o batismo do próprio Jesus. O texto de Lucas descreve o evento de forma singular:

"E aconteceu que, ao ser todo o povo batizado, Jesus também foi batizado; e, enquanto ele orava, o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea como pomba; e do céu veio uma voz que dizia: Tu és o meu Filho amado, em ti me agrado." (Lucas 3:21-22)

Este momento não foi apenas a participação de Jesus no ato simbólico do arrependimento (embora ele não tivesse pecado), mas a confirmação divina de sua identidade e missão. A descida do Espírito e a voz do Pai ecoaram a profecia de Isaías:

"Eis o meu servo, a quem sustenho, o meu escolhido, em quem a minha alma se agrada; pus sobre ele o meu espírito, e ele promulgará o direito para os gentios." (Isaías 42:1)

Para o povo que ali estava, testemunhando o Espírito de Deus descendo visivelmente sobre Jesus, a ligação com a profecia messiânica de Isaías 42 tornou-se clara. Este era Aquele de quem João Batista falava, o verdadeiro Messias, pleno de Deus e, ao mesmo tempo, o ser humano ideal que a humanidade falhou em ser. O batismo de Jesus marcou o início de seu ministério público, autenticado pelo próprio Deus.


Conclusão: Viver a Nova Essência em Comunhão

O batismo, conforme apresentado no Evangelho de Lucas, é fundamentalmente um ato de rendição e transformação. Não é um ritual para obter bênçãos ou prosperidade material, mas o símbolo da decisão de "morrer" para o sistema caótico do mundo e para o próprio ego.

A fé cristã é um chamado para aqueles que não aguentam mais ser o que eram. É para aqueles dispostos a serem "queimados" pelo fogo purificador de Cristo, abandonando o orgulho, a violência e a lógica mundana que, muitas vezes, se infiltra até mesmo no discurso religioso. Ser cristão é estar em constante processo de morte para o "eu", permitindo que a essência de Cristo cresça internamente.

Viver mergulhado em Cristo — como "nele vivemos, nos movemos e existimos" (Atos 17:28) — significa ser uma nova criatura. A comunhão, como a participação na Ceia, não é um ato de exclusividade baseado em carteirinhas ou filiação institucional, mas uma celebração para todos que reconhecem o sacrifício de Cristo e desejam comungar dessa ideia:

"Estou crucificado com Cristo. Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim." (Gálatas 2:20).

Em última análise, o batismo é o ponto de partida para uma vida gasta em transformação, buscando a cada dia parecer-se mais com Cristo e menos com o homem da nossa época.


A Casa da Rocha - #5 - Nosso Batismo - Zé Bruno - Meu Caro Amigo. https://www.youtube.com/live/N3ESKa3RJHc?si=gaaNUbAG6XtKzS00

Avatar de diego
há 4 semanas
Matéria: Bíblia
Artigo

0 Comentários

Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!

Você precisa entrar para comentar.
Pergunte à IA